Míriam Virna, diretora teatral brasiliense, me enviou o texto abaixo sobre uma das efusões de José Celso Martinez Corrêa no Plano Piloto, texto esse — O Guru do Cu ou o Cu do Guru — bastante esclarecedor se não do trabalho pelo menos da personalidade do conhecido diretor. (Bom, na verdade, trata-se do excerto de um ensaio.) Noutra ocasião, escreverei a respeito de minha própria experiência com o Guru do Cu — graças a Deus, não com o inverso — quando, durante uma apresentação de sua montagem d’As Bacantes (1996), fui seqüestrado para o palco. [Já escrevi: A Bacante da Boca do Lixo.] Nossa, por incrível que pareça, me diverti bastante…
(Este texto é um trecho do ensaio “Reflexões acerca da leveza“, disponível aqui.)
O Guru do Cu ou o Cu do Guru
O teórico Frederic Jameson nos chama a atenção para essa incapacidade de assombro que assola a Arte e aquele que a frui, e é ainda mais contundente quando adverte-nos sobre a complacência com que são recebidas certas manifestações de delírio bárbaro. Ora, desconectado do sentido do divino, ou pelo menos da noção do “EU” como sujeito e não como objeto, o homem acabou por perder até mesmo a capacidade de ser ultrajado.
Sobre isso, lembro-me de um caso extremo, contado por um colega do Mestrado e recebido com normalidade pela platéia de alunos que a ouvia. Convidado a participar de uma reunião entre artistas cênicos, o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa, após perceber uma certa apatia por parte do grupo que o ouvia, decidiu, numa atitude típica de mestre, transmitir-lhes algo que os removesse daquela condição. Levantou-se da cadeira e, descendo as calças,encontrou uma posição favorável à exposição de seu ânus. Não tenho dúvida de que alguma adrenalina tenha tomado conta dos que estavam ali presentes. Entretanto, não satisfeito com aquela quantidade de adrenalina provocada pela exposição de seu orifício anal, o polêmico diretor fez questão de exibi-lo, a pouca distância, a cada um dos que ali estavam. O grupo, após o fato descrito, comungou momentos de raro arrebatamento, como me afirmou aquele colega.
O problema aqui não é, de nenhuma maneira, a exposição do corpo nu, elemento da mais sublime beleza, mas a ausência da noção de delicadeza e de intimidade para com ele. Mais bizarro que o ânus explícito é notar que o grupo já não experimenta a sensação de ultraje por ser presenteado com tal visão, mas antes parece se comprazer com o fato de, finalmente, conseguir ser arrebatado por alguma coisa.
Desfeitos todos os mistérios, todos os pudores, não nos é mais permitida a impressão do escândalo. Aquele que deste modo se pronuncia será visto com desdém pelo seu pudor anacrônico, senão pela sua constrangedora ignorância.
Não pretendo desmerecer a obra do diretor José Celso e nem resumi-la a este episódio. Tampouco afirmo que o diretor seja um característico artista pós-moderno. (Antes, sua abordagem artística é sabidamente ligada ao modernismo.) Contudo, parece-me sintomático esse estado de dessacralização do homem e do seu corpo como uma atitude essencialmente pós-moderna.
Nota do Yuri: Eu sei que a Míriam certamente não concordaria comigo, mas acho que uma pesquisa deveria ser feita sobre essa loqüacidade anal. Talvez os professores – universitários ou não – teriam mais sucesso se utilizassem tal técnica expositiva, afinal, cada dia mais e mais as aulas se afastam do debate de idéias e enumeração de fatos para se aproximar, quando não da doutrinação politiqueira, do mero espetáculo. E se isso aí parece ter dado certo para o Gerald Thomas e para o Zé Celso, mestres no tema… por que não? Aliás, acho que vou experimentar a coisa. Irei até uma editora, levarei meu livro e, antes que me digam qualquer coisa, mostrarei a rodela pros caras. Quem sabe assim eu não consiga publicar? Claro, não preciso ir às vias de fato, como o personagem do filme “O livro de cabeceira”, cujo editor o fodia literalmente. Eu só quero mostrar o quanto “escrevo” bem. “Eita prosa cabeluda!”, hão de exclamar – ohohoho.