Essa resistência aos americanos, no Iraque, obviamente não é originária de lá. Tudo o que um povo quer é paz, não quer agitação sangrenta. Ou será que esse povo morre mesmo de medo de ser dominado pelo “jeitinho americano” e de ver seu país tornar-se um lugar tão horrível pra se viver quanto o Japão, a Alemanha e a Itália, os perdedores da Segunda Guerra? Esse medo é dos xiitas apenas e de seus amiguelhos revolucionários, a maioria não-iraquiana, que não passam de terroristas islâmicos ali infiltrados para botar mais lenha na fogueira. Os sunitas que entram na onda assim o fazem porque, claro, se identificam mais a eles que aos americanos. Ambos seguem Alá. Os xiitas, a minoria, são a espoleta, os sunitas, quais inocentes úteis, o grosso da pólvora.
O explorador inglês Sir Richard Francis Burton (1821-1890) — tradutor das Mil e uma noites e do Kama Sutra — converteu-se ao xiismo. Quando mijava, tinha que se agachar e enxugar o pau com terra. Se não o fizesse, descobririam sua origem ocidental e poderia morrer assassinado durante a peregrinação a Meca, o hadji. Xiismo — no sentido mais lato — é isso: misturar aspectos secundários com essenciais, no caso da religião, questiúnculas materiais com espiritualidade.
No islamismo, o xiismo é, desde o princípio, uma seita de quem não sabe perder numa boa. Achavam que não bastava ser um bom muçulmano para se ser o Califa, o sucessor de Maomé. Tinha que ter o sangue do cara correndo nas veias, como Ali, primo e genro do profeta. Sangue é matéria. Já Abu Bakr — amigo e sogro — era apenas uma boa pessoa, religiosa e coberta de méritos, por isso não servia. Não o aceitaram como Califa, não acataram a decisão do bom senso, como os sunitas. O fato é que os caras, os xiitas, gostam é de resistir. Aliás, já não importa por que ou como começou a guerra, mas quando irá terminar. Os americanos são tão culpados pelos atentados terroristas no Iraque pós-guerra quanto Bill Gates é responsável pelas supostas “falhas de segurança” do Windows. Os hackers, por inveja do sucesso financeiro do cara, só buscam rachaduras nos programas da Microsoft. Por isso é que o meu Mozilla, ou — para ser mais exato — o seu Linux, é imune a tantas pragas. Os xiitas são hackers políticos travestidos de islâmicos.
Em 1994, em Brasília, eu e meus colegas de apartamento hospedamos por uma semana um refugiado iraquiano. Uma amiga o havia encontrado dormindo no bambuzal do jardim da UnB. Não falava um A em português, mas se defendia no inglês. Disse que estava em Brasília para pedir asilo político, mas que fora aconselhado a não o fazer. Precisava de dinheiro para encontrar-se com parentes em Aracaju. Me contou que lutara na última fase da guerra contra o Irã e contra os americanos na Guerra do Golfo. Mas não se orgulhava disso. Desprezava e temia Saddam Hussein. Disse que o inferno que o Iraque se tornara poderia encrespar-se ainda mais na mão dos xiitas. Explicava tudo pacientemente ao meu pobre inglês. Não me tratava como quem trata a um infiel. Pensei que nem fosse muçulmano. Mas depois me disse, algo envergonhado, que precisava trazer suas quatro esposas para Sergipe…
Numa noite, enquanto ele roncava alto numa das camas do alojamento, o Alfredo Bello, baixista da banda Os cachorros das cachorras — um dos meus roomies — fazia piada sobre a possibilidade de o cara ser um terrorista, espião ou coisa do gênero. Eu achava que não, ele sempre me olhava nos olhos quando conversávamos, tinha algo de fraternal em suas maneiras calmas e um tanto deslumbradas com o acolhimento dos brasileiros. Parecia sentir-se seguro como há muito não sentia. E o Alfredo então concluiu que o ronco dele é que era o atentado terrorista…
Enfim, na minha “humirde” opinião, o grande problema do islamismo é o Corão se referir a Deus por mil e um nomes — Clemente, Soberano, Misericordioso, Vivente, Poderoso, Sábio, Altíssimo, etc. — mas nunca o tratar por Pai. Sem tal paternidade espiritual não há fraternidade que impeça o xiismo de resistir, quanto mais a um ateu revolucionário. Qualquer fraternidade baseada em conceitos humanistas será artificial e ineficaz. Os não-muçulmanos serão sempre os infiéis. Os sunitas serão sempre a pólvora, e eles, os xiitas, o pavio. Será que ainda “limpam” o pau com terra?