Perdas e Ganhos — Rogério Borges

Eis as três matérias, de autoria do jornalista Rogério Borges, publicadas no jornal O Popular, que me citam e que tratam da divulgação da literatura atual na Internet.

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Escritores que publicam seus trabalhos na internet
abrem mão da renda com direito autoral em
nome da divulgação maior de seus trabalhos

“Todo escritor quer ser lido, mas também todo escritor quer ser recompensado pelo seu trabalho.” A afirmação, feita pelo escritor Yuri Vieira, condensa uma discussão que vem ganhando corpo com a proliferação na internet de blogs e livros virtuais, de acesso livre a qualquer um que esteja conectado à grande rede de computadores: a do direito autoral flexibilizado. Esses instrumentos trazidos pelas novas tecnologias têm mexido com a relação entre os autores e suas obras e deles com as editoras.

Ao publicar um texto na internet, muitos escritores deixam claro que não se importam com a reprodução daquele trabalho, desde que haja a menção à autoria, desobrigando o pagamento de direitos autorais pelas obras em questão. “Eu transformei o meu livro A Tragicomédia Acadêmica em uma obra virtual, em um e-book, e estou cadastrando o título no Google Books”, anuncia Yuri, 34 anos, que mora em Goiânia.

O que o leva a tomar essa decisão, abdicando dos direitos autorais sobre o consumo de sua obra na internet, não é difícil de entender. “Enquanto não se é um escritor conhecido nas livrarias, é preciso divulgar o seu trabalho e a internet é muito poderosa nesse sentido. Às vezes a pessoa lê um trecho do trabalho, fica curiosa e acaba procurando o título no formato tradicional.”

Yuri publicou A Tragicomédia Acadêmica em livro, pela extinta Editora Vertente, de Campos do Jordão, mas a repercussão maior da obra veio mesmo depois que ela se tornou de livre acesso por meio do computador. “Até um jornalista da Nicarágua entrou em contato comigo para saber do livro”, relata. Ele, que foi um dos pupilos da poeta Hilda Hilst por pouco mais de dois anos, fez esse mesmo trabalho de transposição do papel para a tela eletrônica com livros da autora. Muita gente, principalmente de uma nova geração de escritores, pensa igual a Yuri.

Daniel Galera, que criou em 1998 o fanzine por e-mail Cardosoonline, juntamente com André Czarnobai, conhecido no meio literário como Cardoso, é uma das referências desse novo movimento. “O projeto surgiu como qualquer outro fanzine, com o objetivo de divulgar os textos de seus autores, mas acabou virando um fenômeno na internet. Não teve nada a ver com protestar contra qualquer esquema tradicional de publicação.”

Galera, que posteriormente criou uma editora independente em Porto Alegre, a Livros do Mal, e que acaba de lançar o romance Mãos de Cavalo pela poderosa Companhia das Letras, acredita que há espaço para todos os segmentos. “As editoras estão atentas às atividades dos projetos editoriais mais alternativos porque muitas novidades boas acabam surgindo daí. Depois que um autor mostra a que veio com uma publicação de caráter alternativo, aumenta a chance de uma editora grande querer investir no seu trabalho”, pondera.

Ele, no entanto, defende a flexibilização do direito autoral caso as partes envolvidas estejam de acordo. “É uma escolha do autor. Eu não gostaria, por exemplo, que alguém fizesse um longa-metragem baseado em um livro meu e não me pagasse nada por usar o meu texto como base. Nesse caso, é importante deter os direitos autorais para poder negociá-los com a produtora do filme. Por outro lado, não me preocupo com isso quando publico textos na internet. Podem republicar meus textos à vontade em sites e blogs desde que citem a autoria. Sempre funcionou e as pessoas costumam respeitar o autor”, alega. Yuri Vieira diz que o mais importante é garantir a atribuição de autoria da obra. “Esse controle ainda é difícil na internet”, queixa-se.

Sem controle?

Advogado diz que já há jusrisprudência
que garante a proteção dos direitos
do autor na internet, mas admite que
evolução da tecnologia é um obstáculo

Nehemias Gueiros, advogado especialista em direito autoral, informa que já há diversos casos judiciais sobre utilização indevida ou desautorizada de obras literárias por meio da internet. “O mercado já está começando a se posicionar contra isso juntamente com os tribunais, especialmente nos Estados Unidos e na Europa. Mas o problema ainda levará considerável tempo para ser resolvido globalmente, justamente pela velocidade da evolução da tecnologia da informática”, opina.

Ele explica que a ainda não existe uma legislação específica que resguarde os autores que têm textos publicados na internet, mas que já há jurisprudência sobre o assunto no que se refere a direito autoral de obras literárias na rede, valendo as regras em vigência para trabalhos intelectuais publicados em formatos tradicionais. A atual legislação, prevista no Código Civil, reza que o direito autoral sobre determinado livro vale por 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao da morte do autor. Qualquer exploração desse material só pode ser legalmente feito mediante autorização do detentor do direito autoral e pagamento de royalties.

A Câmara Brasileira do Livro (CBL), que agrega os principais selos editoriais do País, se esquiva em comentar o assunto, mas O POPULAR apurou que a entidade se posiciona a favor dos direitos autorais e contra a liberalização de conteúdos protegidos por lei. Quem adota a internet como aliada de sua literatura não vê maiores problemas na cópia livre. Um deles é o escritor pernambucano Marcelino Freire. “Não me incomodo que meu texto circule de forma pirata. Desde que as pessoas coloquem o crédito, podem usar como quiser o que eu escrevo. Não crio a ilusão de que estou perdendo dinheiro se meus textos estão sendo usados e abusados por aí. Podem xerocar, imprimir, zurrupiar que eu não ligo. Até fico agradecido”, garante, irreverente, o escritor.

Autor de livros como Balé Ralé, lançado pela pequena Ateliê Editorial, e Contos Negreiros, pela gigante Record, Marcelino criou o blog eraOdito, que mistura textos literários e informações sobre a área. Com experiência no meio virtual e também em selos editoriais tradicionais, ele tem uma visão bem definida sobre o tema, principalmente quando leva em consideração que ao autor cabe apenas 10% do valor total da vendas de seus livros.

“Como não sou best-seller, o valor acaba sendo menor ainda. Eu quero mais é que meu texto circule. E que voe por aí, do jeito que for… Não crio neuras quanto a isso.” Marcelino reconhece que seus contratos com editoras lhe garantem proteção autoral, mas confessa que tem interesse também pela desproteção. “Quanto mais livre, mais democrático o acesso, melhor. Creio que a internet ajude a vender livros. O negócio é espalhar, espalhar, espalhar. Uma hora a gente chega lá.”

Daniel Galera observa que não abre mão de sua criação, mas que sempre optou em compartilhá-la. “Para mim, o importante é que tenham acesso à minha obra. Não acho justo que outras pessoas ganhem dinheiro em cima de um trabalho meu. Nesses casos, fazer valer o direito autoral é importante”, acrescenta.

Aconteceu na música, vai
acontecer na literatura’

O jornalista Xico Sá, 43 anos, tem como algumas de suas maiores marcas a irreverência e a contundência com que expressa suas opiniões. Repórter de cultura do jornal Folha de S. Paulo e autor de livros como Modos de Macho & Modinhas de Fêmea (Editora Record) e Do Catecismo de Devoções, Intimidades & Pornografias, título publicado por seu próprio selo, a Editora do Bispo, Xico é um árduo defensor da revogação do direito autoral sobre obras literárias. Nesta entrevista ao POPULAR, ele explica as razões que o fazem abraçar essa tese, acusa as grandes editoras de fugir desse debate e prevê que o fim do direito autoral é inevitável.

O senhor defende a flexibilização do direito autoral de obras literárias na internet. Por quê?

Acho que a internet, por natureza, é um território livre. Eu defendo a liberdade total, que não haja nenhum controle sobre isso, e não só na internet. Também nas publicações em peça, nos livros, que não haja o controle do direito autoral. Eu tenho uma pequena editora com a Pink Wainer [Editora do Bispo] e uma das marcas da editora é não ter copyright e sim copyfree. A gente libera os livros para serem copiados da forma como as pessoas bem entenderem. Estamos digitalizando o conteúdo dos livros para que seja disponibilizado também na internet. Eu acho que prender esse conhecimento, prender textos, é uma burrice. Inclusive comercial porque está mais do que comprovado que muitas editoras, dentro e fora do Brasil, que liberaram seus textos nunca tiveram prejuízo. Uma parte dos leitores sempre quer adquirir o livro no formato em que ele foi editado. Eu acho uma besteira ter esse controle, ter essa amarra do direito autoral.


Esse controle prejudica a difusão da obra?

Claro. Quanto mais você liberar essas obras, publicando-as na internet, mais atrairá leitores. Seja para lucro ou não, o interessante é que mais pessoas vão ter acesso àquele texto. Qual é o objetivo de quem escreve? É ser lido. A questão de liberar tudo permite que os autores sejam realmente lidos. Se o autor for novo ou desconhecido, é uma grande chance de ser lido. Muito mais interessante do que ficar com essa mesquinhez de querer cobrar por tudo, de não querer liberar a obra. O que aconteceu com a música recentemente, essa porrada que foi para as grandes gravadoras, para os grandes grupos, serve como exemplo para a minha área, que é mais de texto, literária. As grandes gravadoras tentaram de tudo segurar, represar o que elas tinham nas suas carteiras, mas não conseguiram. Isso vazou em MP3, as músicas circularam livremente, muitas bandas que eram desconhecidas passaram a ser conhecidas, começaram a fazer mais shows. Acho que é a mesma coisa que vai acabar acontecendo com os livros, com a literatura. Tomara que aconteça.


Essa opinião é própria de sua geração, escritores entre 30 e 40 anos, que começou nos blogs e está entrando no mercado editorial tradicional. Vocês têm o poder de mudar a visão vigente sobre direito autoral?

Essa é uma tendência internacional. Na Itália, na Espanha, há coletivos de escritores que defendem isso há muito tempo, até mesmo radicalizando o processo, assinando os livros com nomes inventados, já que acham que é tanta bobagem a autoria que a desprezam. Os livros passam a não ter autores. No Brasil, essa moçada que vem sobretudo dos blogs, que vem se firmando e publicando suas obras mais a partir daí, tem mostrado que pode ser lida sem as amarras do direito autoral. Essa geração já conseguiu vingar porque conseguiu publicar bastante livros a partir dos blogs e sempre com essa visão. Mas entre esses próprios jovens dos blogs há também muita gente pensando de forma antiga. Eles fazem questão dos direitos autorais.


Como percebe a recepção dessa idéia por parte das editoras?

Para as editoras convencionais, para as grandes editoras esse é o tipo de debate que não interessa. No caso da minha editora, a Editora do Bispo, sempre estamos recebendo sinais aqui e acolá de que estamos fazendo uma grande bobagem, de que isso não vale a pena, de que esse debate não é interessante. Para eles, isso é um desastre. O que eu acho uma burrice. Eles vão continuar vendendo livros do mesmo jeito se liberarem conteúdo, ou até mais, já que os livros serão mais divulgados. O pior para eles é que isso vai rolar, não tem jeito. Isso aconteceu na música, vai acontecer na literatura.


A internet influencia no processo de criação da obra literária?

Eu acho que já existe uma certa escrita de blog, uma tendência literária própria. Não é obrigatoriamente nova, mas é mais confessional, que tem um tom de diário. Existe essa marca, essa pegada da literatura de blog. O mais interessante de tudo é a conversa diária com o seu leitor. Você posta um texto lá e tem resposta imediata. Você discute, briga, agradece. Isso é importantíssimo. Nos livros, como o Brasil lê pouco, a resposta é muito demorada. Às vezes você nem tem essa resposta. Você não sabe o rosto que tem e o que pensa o seu leitor. Na literatura postada, isso é sensacional porque na hora você fica sabendo como é o seu leitor, como ele reagiu a determinado tipo de texto.

Um livro de autor desconhecido tem uma tiragem média de mil exemplares, vende 100 ou 200 volumes na noite de lançamento… Uma tiragem de mil exemplares já é muito grande. Se você pegar as grandes editoras, a tiragem é de 3 mil exemplares. Quando se publica de forma independente, em uma pequena editora, são 500 exemplares em média…


Já no blog, esse mesmo texto terá 10 mil acessos…

Exatamente. Aquele texto alguém lê, indica para um amigo, que indica para outro. Ele circula.


Então, como fica essa história de que o Brasil lê pouco?

O Brasil lê pouco. Mesmo no mundo dos blogs, essa área literária é freqüentada por menos gente do que poderia ser. Quando uma gostosa posa nua, o site da Playboy tem um milhão de acessos. Já o número de acessos dos blogs em relação a esse outro tipo de conteúdo ainda é muito pequeno. O hábito de leitura em relação à literatura é pequeno no Brasil. E é pequeno por razões de educação. Não há hábito porque sequer há o domínio da leitura. Mesmo as pessoas que tiveram acesso a uma educação melhor, que têm condições econômicas favoráveis, não lêem tanto quanto poderiam ler.

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