Papai Noel, Garotos Podres, Tolkien

O artigo abaixo, foi escrito para o caderno Pop — suplemento para adolescentes — do jornal O Popular. Infelizmente, graças a um problema de conexão, não consegui fazê-lo chegar a tempo para o fechamento. Então, vai aqui mesmo. []’s

* * *

Pois é, olha o Natal aí de novo. Mais uma vez engoliremos os suores do agasalhado Papai Noel e muito pouco se falará — salvo as exceções “crentinas” de sempre — do pobre do aniversariante. Sim, dele mesmo, do Lord Djísus. Tudo porque o centro da nossa vida se deslocou há muito para a esfera econômica, devendo aí permanecer por longo tempo. Qualquer análise da realidade não consegue ir além dessas discussões pé no saco sobre a nuança ideal, que devemos adotar, entre capitalismo e socialismo. Aliás, entre o pérfido “capitalista selvagem” e o “justiceiro social” furibundo — o neo-comunista — só há uma diferença: o primeiro quer consumir tudo sozinho, feito uma ave de rapina; já o segundo quer que o Estado consuma tudo por (e para) todos, feito uma porca com seus inúmeros peitinhos – e o povo na lama, só mamando. Por isso, acho que Papai Noel é o grande vencedor. Afinal, no Natal se exercita menos a caridade e muito mais o consumo, seja lá sob qual dessas formas animais ele se manifeste.

Nos anos oitenta, ainda em São Paulo, tive uma namorada punk. Íamos aos shows dos Inocentes, dos Replicantes, dos Garotos Podres. Este último grupo tinha uma música que dizia mais ou menos assim: “Papai Noel, velho batuta/ Rejeita os miseráveis/ Eu quero matá-lo!/ Aquele Porco Capitalista/ Presenteia os ricos/ Cospe nos pobres”. Já em Goiânia, eu costumava receber cartões de anti-natal, feitos à mão, da minha agora ex-namorada punk. Ela sempre desenhava um Papai Noel ora enforcado, ora numa cadeira elétrica de shopping center. Pobre São Nicolau. Hormônios adolescentes realmente não perdoam, detonam. Pressentem que há algo errado num tema, não sabem ainda racionalizar tal percepção, mas, sim — “há algo de podre ali”. A Glauce — minha ex-namorada — era uma punk rabugenta, neta de alemães, radical em tudo. Fiquei uns sete anos sem vê-la. Quando a revi, quatro anos atrás, era já uma arquiteta casada e, caramba, uma evangélica com os cabelos loiros na cintura e a saia até os pés!! À sua maneira extremista de sempre, ela finalmente percebera o que havia de errado no Natal do gordo Noel: não, seu problema não era ser um “porco capitalista”, mas um São Nicolau sem alma, o garoto propaganda do niilismo secular, já que, em vez da caridade original, hoje só prega o consumo. E se este está para as necessidades imediatas, contingentes, aquela está para o espírito, para o atemporal.

Qualquer um que freqüente uma escola aprende, mais cedo ou mais tarde, que não há nada mais inteligente do que negar todas as tradições religiosas e acreditar que vive na cultura mais avançada que já existiu. Oswald Spengler chama este sentimento de decadência. Para ele, o fim da tradição espiritual é a morte da civilização. Tudo o mais — economia, política, ciência, arte — é decorrente daquilo que anima o mundo: a alma humana. Não é por outro motivo que — justamente agora quando muitos pais já não podem sequer confiar em seus próprios filhos (e vice-versa) — que a leitura de alguém como J.R.R. Tolkien torna-se excitante. A luta do bem contra o mal – numa época em que ainda eram bastante discerníveis -, a lealdade entre diferentes raças, a amizade viril (sensível, mas sem frescuras), a coragem perante a morte e o serviço desapegado, tudo isso nos causa espanto e admiração. Trocaríamos muitos confortos e facilidades por aqueles sentimentos e experiências. E não podia ser senão o católico Tolkien o autor de tal façanha. O mesmo Tolkien que iria contribuir na conversão ao cristianismo do escritor C.S.Lewis — um agnóstico — ao lhe dizer: “só uma pessoa desprovida de verdadeira inteligência e sem nenhuma imaginação é incapaz de conceber a vinda de um ser divino ao planeta“. Isto chocou o cético Lewis. E chocaria muita gente hoje. Principalmente a esses que só associam a conversão à decadência pessoal, como muito se tem falado na imprensa, quando se citam ex-artistas famosos que hoje são pastores e sei lá mais o que. E a gente vai, assiste ao filme Matrix e pira com Neo, o Escolhido, e — entorpecida com tantos tiros e kung fu — nem consegue lembrar que no dia 25 de Dezembro se comemora a vinda a esse planeta do cara que, sem dar tiros e ponta-pés, ensinou aquilo que Tolkien aprendeu direitinho: “não há amor maior do que o daquele que dá sua vida pela de seu amigo” porque “meu Reino (e suas recompensas) não é deste mundo“, não é dessa Matrix. Aliás, eu gostaria muito mais do Neo se ele — por saber que, matando na Matrix, mata de verdade — preferisse mostrar aos habitantes da Realidade Virtual a Realidade do Espírito e não uma metralhadora fundamentada em retórica zen. Sim, porque não adianta ser um bando de Replicantes, dando cabeçadas em paredes ilusórias ou matando Papais Noéis, sem encontrar e respeitar a essência das coisas. Tampouco devemos ser uns Garotos Podres e ficar mofando e cantanto: “quando você, de paletó e gravata, aparece na TV e diz coisas que eu não consigo entender, o que que eu faço? Vou fazer cocô!” É preciso aceitar, Inocentes como as crianças, que há algo que transcende essa Matrix, e, ainda assim, travar aqui mesmo, como Frodo, o bom combate do espírito. Porque o mundo é punk. Enfim: feliz aniversário, Lord Djísus.

2 Comments

  1. Pingback: Ricardo Fazolini

  2. Pingback: Ricardo Fazolini

Comments are closed.

Back to Top