Ideogramização global

Numa festa na chácara do jornalista Washington Novaes, ano passado, ele me revelou sua surpresa ao dar-se conta de que, na China, mesmo havendo dezenas (talvez centenas) de línguas e dialetos, todos são capazes de ler e compreender um mesmíssimo texto escrito em ideogramas. Não, não é como fazemos com o alfabeto ocidental (latino), onde ingleses e italianos, embora utilizem as mesmas letras, não se entendem. Não se trata, pois, de um alfabeto fonético – os símbolos ideográficos não representam sons mas idéias. Disso, todos estão carecas de saber. Mas poucos percebem o corolário desse fato, a saber, que, na China, eu posso escrever um poema em zhongwen, lê-lo em minha língua, enviá-lo para alguém com quem não consigo conversar diretamente — porque fala outro idioma — e este o lerá em sua própria língua, sem necessitar qualquer tradução.

Um texto em ideogramas é de leitura universal e — posso estar falando besteira — talvez não fosse necessário atribuir aqueles sons inescrutáveis (chi, sin, li, kun ou o que quer que seja) a cada um deles, mas simplesmente palavras (idéias) em português. Se diversas línguas chinesas o lêem assim, por que eu, que falo português, deveria aprender a pronunciar tais caracteres em uma delas? Mesmo os japoneses – metidos em históricas confas com chineses – também utilizam, além do hiragana e do katakana, os caracteres kanji de origem chinesa. E alguém acha que os orgulhosos japoneses os lêem apenas em chinês(on-yomi)? Claro que não, há uma forma japonesa de lê-los ou simplesmente kun-yomi.

Desde 1995, quando conheci o Yen, dono do restaurante que ficava sob o alojamento estudantil da UnB, venho pensando nessa possível invasão ideográfica chinesa. A mãe do Yen ensinava zhongwen na UnB e ele me passou meros rudimentos do assunto que, como ao Washington Novaes mais recentemente, muito me impressionaram na época. Com o crescimento do poderio chinês, não há de ser mero delírio acreditar nessa invasão ideográfica. Talvez um dia todos tenhamos que aprender zhongwen nas escolas. Uma Internet em ideogramas poderia ser acessível a qualquer um. (Na China, quem conhece dois mil ideogramas é considerado alfabetizado, em Taiwan, quem conhece três mil. Alguns textos mais técnicos podem utilizar até cinco mil caracteres.) Claro, só espero que, nesse hipotético futuro, não tenhamos de ler o famigerado livrinho vermelho do Mao. Sim, gosto da estética dos ideogramas, da sua funcionalidade e, realmente, sua invasão não me incomodaria. Mas, por favor, nada de Mao, eu sou é do bem.

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