Entreatos ou A Gravata do Bravata

Assisti ao documentário do João Moreira Salles há uns dez dias. Em uma palavra: excelente. (Este artigo, de Cláudio Gonçalves de Oliveira, define bem os aspectos formais do filme.) Três dados ficam patentes: primeiro, o Lula realmente é um cara engraçado; segundo, ele tem consciência de seu papel de mero ponta-de-lança (embora não entenda com profundidade ou finja não entender ponta-de-lança de quê); terceiro, o cara é vaidoso até mandar parar, e é aqui que mora o maior perigo. Sim, porque, tendo ele senso de humor, sua vaidade o leva a crer que isso basta para lidar com o próximo; estando ele consciente de seu próprio personagem, sua vaidade o convence de que tal autoconsciência equivale a pensamento profundo e perspicácia; e, finalmente, assumindo-se como o vaidoso que é, sua vaidade, lisonjeada, lhe persuade que possui todas as virtudes ademais da sinceridade. Mas a realidade é uma só: Lula está no lugar errado, afinal, seus talentos indicam que ele deveria era ser um concorrente do Ratinho, possuindo seu próprio programa de auditório. Arrisco-me inclusive a sugerir um nome para o programa: “A Gravata do Bravata”, haja vista sua imensa dedicação aos nós em seda. Neste caso, eu mesmo seria seu fã e deixaria de chamá-lo de Mula. Juro, Lula é simpático e daria um ótimo animador, desses que batem o pé para reclamar do governo, a exigir providências, arrancando aplausos da platéia, enquanto duas lulinhas títeres fazem comentários mordazes a um canto do palco. Ele seria tão feliz, tão tranqüilo… teria grana, fama, moral… Enfim, é como se Lula confundisse a “coisa pública” (res-pública) com “respeitáaaavel públicooooooo!”. Lula gosta é de ser o centro das atenções e, hoje, quando não as encontra aqui, vai buscá-las no exterior. Aliás, ao confessar ser incapaz de ficar sozinho por mais de uma hora, apenas expôs um importante aspecto de seu próprio caráter: ele não suporta encarar a si mesmo, deve doer muito. Que tipo de mentalidade sobrevém da impossibilidade de buscar, ao menos uma vez por dia, o silêncio interior, a própria consciência? Dá até medo de um cara desses no poder. É duro quando alguém não faz o que nasceu para fazer. Todos conhecem o exemplo extremo do artista plástico austríaco, natural de Braunau-am-Inn, que, após ser rejeitado por uma escola de artes de Viena, decidiu ser estadista. Ele também, de início, era super gente boa. Ainda bem que o Lula é apenas um deslumbrado de bom coração incapaz de escrever um livro. Mas a turma dele, puts…

Falando nisso, outro detalhe interessante é a completa sem graceza do José Dirceu diante da câmera. É o único que exige saber se quem está filmando “é um dos nossos”. Quando descobre que não, cala-se. Mas se entrega, em determinado momento, ao confessar possuir informações sigilosas para todas as ocasiões de risco, cena esta que deve fazer muita gente em Brasília tremer. Deve ter aprendido em Cuba, o que, aliás, responde às indagações de seus próprios companheiros, durante a campanha, sobre o que ele teria aprendido na tal ilha-prisão.

Duda Mendonça também faz seu show. Parece aquele personagem vivido pelo Richard Gere em Power, de Sidney Lumet. Se acha o todo-poderoso — pois dirige os futuros dirigentes — mas cai duas vezes do cavalo. A primeira quando, ao ensinar Lula a fazer batucada com as mãos, este lhe diz algo como “ah, é mesmo, você gosta disso tanto quanto de briga-de-galos…” A cena fica cômica quando lembramos da sua prisão ulterior por este exato motivo. A segunda quando se vira para José Dirceu, ao final da campanha, e comemora: “Tá acabando, Dirceu! Tá acabando!” E o José Dirceu, cortante: “Acabando não, está começando…” Só faltou uma risada do Vincent Price. “Ah Hahahahaaa!” Que meda. (Minha mãe sempre diz, “filho, vem comer senão o Zé Dirceu vai te pegar”. Como tudo rapidinho…)

Vale lembrar os comentários de um acessor do Lula, diante deste, sobre o MST. Eles teriam ido juntos a um acampamento dos Sem-Terra e — assustados com as imagens de Che Guevara, os discursos inflamados, o regime marcial imperante — teriam saído de lá correndo, assustados com o aspecto de guerrilheiros daqueles supostamente humildes camponeses. Lula teria dito: “Rapaz, vamo embora que o ambiente aqui tá pesado!”. Em vista disso, seriam necessárias mais informações para se tomar as devidas providências? Quanta gente neste movimento realmente sabe trabalhar a terra, criar animais? Não deveria haver um vestibular prático para se conseguir um pedaço de terra via reforma agrária? Enquanto isso, conforme me informa meu amigo Ricardo Azim, agricultores como o kalunga Sr. Augusto, de habilidades notórias com a terra, morrem ao léu por não ter onde plantar. No caso do Sr. Augusto, suas terras, santa ironia, foram desapropriadas pelo próprio governo federal! A reforma agrária deveria ser um fim, não um meio, não um pretexto para se tomar o poder. Aliás, esse receio de Lula para com o MST parece contradizer seu discurso de anos a fio. Mas tudo fica claro quando, no documentário, vemos sua mágoa por não ter recebido, nos anos 80, a mesma atenção que Lech Walesa. Isso parece ter-lhe causado tanta dor! Todos os flashes internacionais, apoio da Igreja e doláres para o Walesa, nada para ele, Lula. Mas ele então descobriu como apimentar seu discurso para chamar a atenção e assim o fez. Abraçou todo e qualquer radicalismo que viesse da esquerda. E, recentemente, parece outro. Mas, sabendo-se um ponta-de-lança, conhecerá Lula a verdadeira natureza do cabo desta lança? Será que — em meio a carícias chavistas e castristas — realmente captou o que Walesa tão bem exprimiu numa entrevista recente? Nesta, Walesa definiu — através de uma metáfora (tropo tão apreciado por Lula) — a diferença entre suas intenções e as de Lula. Walesa disse que levar um país do capitalismo ao socialismo, processo que Lula pregou a vida inteira, é como transformar um aquário numa sopa de peixes. Basta colocar fogo por baixo. Agora, transformar uma sopa de peixes num aquário é tarefa dificílima, exatamente a que ele empreendeu com as bençãos de João Paulo II.

Pois é, esperei passar esses dez dias para ver quais impressões permaneceriam. Às que cito acima só restaria somar o contraste — lembrado por Cláudio Gonçalves de Oliveira em seu artigo — entre as cenas claustrofóbicas de todo o filme e a tomada final, na qual Lula submerge em meio a centenas de jornalistas, luzes de filmagem e flashes, e o plano vai abrindo e recuando, deixando o já Presidente eleito entregue àquilo que causaria angústia a qualquer pessoa sã, mas que a Lula só causa grande prazer: a atenção voraz das massas. Faça bom proveito, senhor Presidente, afinal, mais cedo ou mais tarde, irá ouvir um “acabou-se o que era doce”. E o João Salles, já experiente e vacinado, não somará uma mesada à sua gorda aposentadoria para que escreva livro algum. Bom, assim creio.

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