Literatura para os ouvidos — Priscilla Brossi Gutierre

Os podcasts, arquivos em áudio difundidos pela internet, conquistam escritores e editoras, e começam a ganhar notoriedade entre o público de literatura na rede. (Matéria publicada no Portal Literal.)

Em tempos de novas tecnologias, a oralidade na literatura volta a ganhar força. É o que se pode constatar com o surgimento de diversos podcasts – arquivos em áudio difundidos pela internet – literários.

São como pequenos programas de rádio, com contos, poemas, romance em episódios, resenha de livros ou entrevista com escritores. A diferença é que esses arquivos em áudio têm formato em mp3 e são postados na internet. Depois podem ser “baixados” para ouvir no computador ou no tocador de mp3 a qualquer hora, em qualquer lugar.

Os podcasts têm características semelhantes ao blog, já notório no meio literário por ser uma vitrine para escritores, especialmente os mais jovens, mostrarem seus trabalhos. São disponibilizados em sites específicos ou nos próprios blogs dos autores.

É o caso do escritor Yuri Viera, que mantém o Karaloka e abriu lá (e também no YouTube) um espaço para podcasts, com contos, crônicas e entrevistas. Ele conta que a idéia de criar material em áudio é antiga, mas que só pôde ser colocada em prática com as facilidades técnicas de hoje. Grava, com sua própria voz, a leitura de seus textos e pretende continuar registrando bate-papos com personalidades ligadas à cultura, como o primeiro que teve, com Olavo de Carvalho.

Yuri explica que, no caso de uma simples leitura, não há muitas dificuldades e ele mesmo faz tudo. Seu primeiro texto feito especificamente para podcast, no entanto, ainda não está on-line. “Estou editando, acrescentando efeitos sonoros e trilha”, avisa. “É um conto em que o protagonista mergulha numa badtrip com drogas, dentro da casa dos pais, fazendo de tudo para ocultar sua situação. A idéia é criar uma seqüência de outros contos semelhantes, cujo conjunto receberá o título de L.S.D.eus – Contos Extáticos”.

Na avaliação de Yuri, muita gente que acreditava não gostar de literatura tem sido fisgada pelos podcasts. “Para o bem ou para o mal, vivemos numa sociedade multimídia e é bom utilizá-la para salvar a reputação da palavra, do verbo”, analisa. “E, afinal, a literatura, em seus primórdios, foi oral”, completa.

Experimentações

Os podcasts têm permitido experimentações. Isso porque possibilitam dramaticidade na narração dos textos – como resgate à arte de contar histórias – e o uso de elementos não-verbais à narrativa, tais como efeitos, ruídos e música, integrando-se a ela. Apesar de boa parte dos podcasts ainda contar apenas com a simples leitura de textos escritos, alguns exemplos já apontam o potencial dessa modalidade de transmissão da literatura.

No Alma da Palavra, Djaine Damiati procurou fazer uso dessas experimentações. O podcast surgiu a partir da vontade de fazer uma leitura mais pessoal, uma adaptação, de uma obra conhecida. “A intenção era transpor textos literários para o áudio e explorar os elementos não-verbais”, explica. Djaine, que já ministrou diversas oficinas sobre o podcasts e um curso na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), lembra que e idéia do projeto surgiu da leitura que o amigo Lori Santos – seu parceiro na criação do Alma da Palavra – fazia de textos de Hilda Hilst enquanto ela dirigia. Ao ouvir o amigo narrando as histórias dentro do seu carro, percebeu que poderia ser uma idéia interessante criar o podcast.

 

O mercado de podcasts literários

No Brasil, ainda são poucos os podcasts literários. Há algumas explicações para isso. Uma delas é desconhecimento das ferramentas tecnológicas para criá-los, ainda que existam opções gratuitas de softwares para gravação e edição de áudio e de sites para hospedagem. Na avaliação de Djaine Damiati, outra razão pode ser o medo da tecnologia. “Tem gente que ainda acha complicado, que não vai dar conta”, explica.

Já na Europa e, especialmente, nos Estados Unidos, a produção e o consumo de podcasts literários é bem maior. Há diversas opções. Uma rápida visita ao iTunes, loja virtual da Apple, fabricante do iPod (tocador de mp3), mostra que são várias as produções nesse segmento. Entre os mais “baixados” está o livro Heart of Darkness, de Joseph Conrad, de 1902, disponibilizado em dez episódios. A obra faz parte de um projeto, LoudLit.org, que divulga textos de domínio público em áudio. Há obras de Edgar Allen Poe, Hans Christian Andersen e Oscar Wilde, entre outros.

O Podiobooks.com é outro projeto de livros em áudio, disponibilizados em episódios no formato podcast. Há várias obras, em geral de novos escritores, inéditos no meio impresso.

Além dos podcasts com produção literária, existem outros que falam de literatura, como é o caso do produzido pela NPR, a Rádio Pública Nacional, nos Estados Unidos, com notícias, resenhas e entrevistas com escritores, também um dos mais “baixados” no iTunes. Há outros exemplos semelhantes: o Meet the Writers, da livraria norte-americana Barnes & Noble e o The Penguin Podcast, da tradicional editora britânica.

 

Novos projetos

Apesar de o número de podcasts literários no Brasil ainda ser pequeno, algumas iniciativas prometem novidades. A revista digital Cronópios, por exemplo prepara especial para divulgação podcasts. Está selecionando projetos enviados pelos leitores.

Já o Museu da Pessoa lançou no dia 20 de abril o projeto Memórias da Literatura, que pretende mostrar uma visão diferenciada sobre literatura e leitura por meio de programas de áudio que serão veiculados na internet como podcasts e também em algumas rádios.

A idéia é produzir 90 programas com histórias diversas, aproximando escritores e leitores e expondo relações cotidianas com literatura. O projeto foi aprovado no PAC, programa de fomento da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.

“Nossos programas apresentam um panorama apoiado em dois pilares: literatura e histórias de vida,” explica Bruno Conde, editor de conteúdo do projeto. “Tratamos das relações da literatura com o cotidiano literário tanto de escritores e editores, mas também de blogueiros, bibliotecários, livreiros, alfarrabistas e dos receptores de todo esse universo, os leitores,” completa.

São pequenas e divertidas histórias, depoimentos, como, por exemplo, o da escritora Ruth Rocha contando o início de sua carreira na literatura ou o do taxista gaúcho Mauro Castro que mantém o blog TaxiTramas, em que relata como surgem suas crônicas.

Bruno Conde conta que o critério primordial para a escolha das histórias é o depoimento ter relação com literatura. “Partimos do pressuposto de que todas as pessoas, em algum momento, estiveram em contato com a literatura, mesmo as não alfabetizadas, pois já ouviram ou contaram histórias,” finaliza.

Pelo jeito, a literatura começa a ganha vida também em alto e bom som. Você já preparou o seu fone de ouvido?

 

Confira mais projetos de literatura em podcasts:

Blog do escritor Leandro Malósi Dóro, que traz até vídeo-leituras ocasionais.

Podcast do Divestivo Cultural.

Palavras de Ouro, com diversos áudios de textos literários em português.

Kaleidospod.

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Matéria publicada no Portal Literal.
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