Rig Veda VI, 9, 5
Outro dia, enquanto ainda elaborava o novo visual do meu site, minha irmã, que é arquiteta, fez-me uma visita. Perguntei-lhe: ¿gostou da minha caricatura? E ela: “Humm… gostei… ¿mas por que você está sentado em cima de uma banana?” Banana!! Ouh, Djísus!!! ¿Onde é que você está vendo banana aqui, caramba?! E, então, tive de lhe explicar que isso aí não é banana coisíssima nenhuma, que é um raio de luz e tal. Ela, cheia de risinhos, me aconselhou a modificar o desenho, a torná-lo mais claro, de modo que não reste margem a dúvidas bananentas. A princípio, achei uma boa idéia. Pensei até em substituir o raio — raio! raio! viu? — por uma caneta ou, melhor ainda, por uma pena, saca?, coisa de escritor. Afinal, Deus me livre alguém pensar que eu colocara, no meu próprio site, uma imagem minha sentado sobre uma fruta fálica dessas! ¿O que meus leitores — e, pior ainda, minhas leitoras fofas e cheirosas — iriam pensar disso? Não, não, claro que eu iria dar um jeito nessa confusão infeliz. Só que, como sou menos artista plástico do que escritor, resolvi explicar em palavras o que poderia ter corrigido em horas de Photoshop. Porque, na verdade, o problema é o seguinte: essa caricatura tem uma história e essa história, mesmo bobinha, merece ser preservada.
Quando eu era o único aluno de Artes Plásticas a seguir a habilitação em “Teoria, História e Crítica de Arte” na aula da professora Maria de Lourdes, no Instituto de Artes da Universidade de Brasília (1995), decidi, certa feita, dar um seminário sobre Cosmologia, Física Quântica e Relatividade Einsteiniana — a partir da leitura de “Física e Filosofia” de Werner Heisenberg, “Cosmos” de Carl Sagan, “Uma breve história do tempo” de Stephen Hawking, etc. — simplesmente porque, segundo me parecia, ninguém ali demonstrava ter uma mínima noção do universo fantástico no qual vivemos. Eu vinha achando a criação artística dos demais alunos — sem falar nos ditos artistas “pós-modernos” — tão mixa e brochante perto do mundo em que os cientistas vivem, que, acreditava, minhas leituras poderiam servir para ajudá-los de alguma forma. (Sim, eu sei, intelectuais são sempre presunçosos.) Com o consentimento da professora, preparei a aula e mandei ver. Lembro de que foi um dos seminários mais agradáveis que ministrei, tendo contado com uma ótima participação dos colegas. Ao final, quando já ultrapassávamos o horário de aula, demos fim ao blablablá e, na saída, uma colega, Eliane, me presenteou com a caricatura supracitada. Ela se baseou num comentário que fiz, no qual eu falava sobre a viagem da luz pelo espaço. Não há nada mais batido do que afirmar, ao vermos uma estrela, que estamos vendo, na verdade, como ela era há milhões de anos, uma vez que a luz, graças à enorme distância, demora todo esse tempo para chegar até nossos olhos. Agora, o que ninguém diz é que, segundo Einstein, isto ocorre em relação ao observador. Sim, porque, em relação ao próprio raio de luz, ele chega aqui exatamente no instante em que sai de lá! Ou seja, para o raio de luz o tempo não transcorre, para ele o espaço não é obstáculo, pois a luz, embora também esteja aqui, transcende a quadridimensão espaço-temporal! Este paradoxo, na minha opinião, deveria fazer parte da visão de mundo de qualquer um que se auto-intitule Artista ou Poeta. Ora, é como se a luz, por si só, fosse a prova de que o materialismo é inconsistente, afinal, se matéria não é senão “energia captada gravitacionalmente”, a luz — aspecto visível da energia — é como uma fantasma real que opera entre dois mundos. E, em meu seminário, acrescentei a impressionante pergunta de Einstein: “¿O que veria o observador que por ventura se colocasse sobre o raio de luz e viajasse com ele? Muito provavelmente, a Eternidade…” (Banana, né? Até parece…)
É incrível vermos como mil e um filósofos, intelectuais, cientistas e pseudos em geral tentam nos convencer de que não existe nada que seja Absoluto a não ser a relatividade, de que tudo o que é sólido — incluindo nossos corpos, claro — se desmanchará no ar sem deixar o menor rastro, de que não existe uma Verdade Universal, etc., etc., e como, apesar de todas essas contastações, eles não percebem a insustentável leveza que é Ser sob essas circunstâncias! Alguns, menos cínicos do que esses insensíveis — pois só um cachorro é cínico e ao mesmo tempo sensível (cínico, em grego, significa, cão)–, são estóicos o bastante a ponto de, tal como o rei Atlas, carregar essa insustentável leveza com uma coragem boboca, pois nascida da cegueira metafísica. No entanto, os verdadeiros estóicos acreditavam, como Werner Heisenberg e Niels Bohr, num Deus, Alma do Universo, Absoluto, Pleno, Eterno. No caso desses dois físicos, o único ponto de discórdia era se Deus possuía ou não uma Personalidade, aliás, condição necessária para que possamos conversar com Ele como quem fala a um amigo. Heisenberg achava que sim (portanto era teísta), Bohr, que não (portanto era deísta). E fico pensando nesses dois homens, a pescar juntos no Mar do Norte ou a esquiar no inverno, em meio a mil discussões que só um falso cientista — atolado em sua própria arrogância e ofuscado por sua especialidade fragmentária que o impede de intuir o todo — que só um falso cientista se absteria de ter. Max Planck, considerado por muitos o “pai da física quântica”, escreveu: “Apenas aqueles que pensam por metades se tornam ateus, aqueles que se aprofundam em seus pensamentos e vêem as maravilhosas relações entre as leis universais reconhecem um poder Criador”. Já eu, sob influência não do Realismo Fantástico literário mas da própria Realidade, que me parece fantástica, prefiro entrar na onda do escritor Raymond Abbelio e afirmar que, hoje, só pode haver espaço para uma Literatura Profética, não no sentido de uma literatura que adivinhe ou imponha um futuro, mas de uma que fale sobre aquilo que, em algum “lugar”, já É, que fale aos que têm olhos de ver que, do outro lado dos raios de luz que os toca, está o Olho que, irradiando luz, tudo ao mesmo tempo vê, está a Fonte de Tudo, Destino de todos nós.