Hoje em dia tanto se fala em drogas que mal percebemos que elas mais são usadas que comentadas. Tivemos a Guerra do Ópio e já chegamos à “guerra” da Cocaína e da Maconha. Logo mais virá a do Tabaco, a do Café, do Chocolate, do Açúcar, do Show do Milhão. “Abaixo o vício!!”, gritarão mais uma vez pelas ruas os engajados e os politicamente corretos. E os drogadictos, como sempre, e não sem razão, se abaixarão atrás das moitas, cheios de pavor, dementados, tentando não dar risada e passando o Moura Brasil uns para os outros. E, no entanto, a droga não é simplesmente um problema político, um problema jurídico, psiquiátrico ou econômico. Trata-se, antes, de mais um capítulo na dicotomia alienação-iniciação, essa questão latente no íntimo de cada indivíduo. Sim, existem aqueles que, através de uma trip, querem ausentar-se por momentos de sua vida, de seus problemas, de suas limitações e, principalmente, do mundo idiota e sem Graça que ajudamos a criar a cada segundo: são os que querem apenas curtir. Talvez sejam a maioria. Mas há também aqueles usuários que não desejam outra coisa senão o simulacro de uma iniciação nos mistérios da Vida e da Morte, de uma iniciação no Sagrado, esta categoria tão ausente de nossa vidinha cotidiana. (Taí o uso ritual da ayahuasca que não me deixa mentir.) ¿Mas essa espécie de uso realmente nos relig-ará? ¿Seremos assim verdadeiramente reconectados à Fonte de todas as coisas?
Sempre que se discute o uso de drogas, me vem à cabeça a entrevista que Paulo Francis, nos anos 1990, deu ao programa Roda Viva da TV Cultura. Quando lhe perguntaram se já experimentara alguma droga, respondeu na lata: “Todas!” Num mundo onde todos fumam, mas “não” tragam, sua sinceridade foi surpreendente. Não me lembro se ele apelou para alguma suposta honestidade intelectual, dessas que exigem um contato real com aquilo que se quer estudar, ou se assumiu que suas experiências foram movidas por mera curiosidade. Basta saber que, como Aldous Huxley, Francis não era um usuário ou um viciado em drogas. Francis era um ocidental que assistia sensibilizado — de seu camarote nova-iorquino — à decadência de sua Cultura e à dessacralização, com a qual não discordava inteiramente, de todos os valores que fundaram o Ocidente. Para pessoas assim, a possibilidade de explorar, através do uso de drogas, para além das fronteiras da mente passa a ser bastante atraente. ¿Haverá ou não haverá algo transcendental por trás das coisas? ¿Meu cérebro é apenas carne moída condutora de eletricidade? ¿Existe a alma eterna?
Meu leque pessoal de experiências me trouxe algumas respostas que, se não são totalmente transmissíveis, pelo menos podem, enquanto testemunho, ajudar outras pessoas a compreender melhor o tema. Não que eu tenha experimentado todas, longe disso, mas sim ― digamos ― muitas variedades de drogas, principalmente enteógenas naturais, todas obtidas sem que eu desembolsasse um único centavo, já que, em minha “esperteza” e amoralidade juvenis, sempre as obtinha ou ao estilo “semedão” ou junto à própria natureza. Além disso, tive alguns problemas bastante desagradáveis que aplacaram de vez minha curiosidade. Dois exemplos: certa feita, quase dei um tiro no peito em meio a uma delirante, fabulosa e estúpida viagem psicodélica (ver meu conto Genus irritabile vatum); também passei maus bocados com uma ex-namorada que quase morreu em meus braços após sofrer uma parada cardíaca resultante da mistura de vinte anos de cigarro com o ecstasy e o álcool de uma única noite. (Bom, ela era doze anos mais velha do que eu, dona do próprio nariz e, além do mais, ex-namorada do Raul Seixas. ¿Que é que eu podia fazer?) Em poucas palavras: não vale a pena. Tudo o que você deseja, em matéria de espírito, a droga não pode dar. Ela só age no âmbito da mente e, mesmo que Deus tenha aparentemente me pego no colo durante uma experiência na União do Vegetal (ayahuasca), nada disso terá qualquer significado se você, posteriormente, não estiver atento a cada momento de sua vida, a cada relação, a cada pensamento, a cada decisão e a cada atitude que tomar. E esta atenção a droga não nos deixa, passada a onda, vai tudo embora, a conexão se acaba. Aliás, uma vida religiosa é fundada não em extraordinárias revelações pessoais e coloridos transes místicos, mas numa consciente relação com a Realidade. São nossas reações às pessoas e às coisas que importam, e é aí que deve ser buscada a harmonia. Tudo mais é esporte químico radical, risco de vida mental, desafio ao descontrole. Pode-se conseguir muito prazer com as drogas, muita curtição estético-sensual, mas os custos podem ser terríveis. Muito mais válido é buscar uma “visão de mundo” abrangente, uma “imagem cósmica” que nos explique e justifique o estado de coisas em meio ao qual vivemos, visando, ao mesmo tempo, um Objetivo universal. Esta é a iniciação que deveríamos receber e que alguns povos ainda mantêm. Esta é a iniciação que as religiões tradicionais ainda oferecem, mas que nossa educação secular impede que aceitemos, afinal, dizem por aí, ¿como uma pessoa inteligente pode acreditar num desses contos de fadas religiosos, seja ele o cristianismo, o islamismo, o budismo ou o hinduísmo?
Enfim, as respostas que podemos obter com as drogas são infinitas, o que é o mesmo que dizer: não há nenhuma resposta. Todas serão falsas ou verdadeiras, dependendo apenas do ânimo do momento. E hoje, quando o narcotráfico funda um estado paralelo e um terrorismo de fato, urge escolher o único Caminho, o mesmo que nos foi oferecido há cerca de dois mil anos. Pronto, lá vem o Yuri em seu personagem neo-moralista, dirão chocados meus amigos. Bem, por mim podem continuar destruindo o mundo e a si mesmos, apostando na falta de sentido das coisas e berrando por aí a plenos pulmões: “só a política salva!” “Se assim é”, parafraseando Arthur Koestler, “façamos-lhes funerais decentes, com réquiem de música eletrônica. Já é tempo de nos desembaraçarmos da camisa-de-força que o materialismo impõe a nossas concepções filosóficas”.