Acabo de chegar duma baita caminhada após ter deixado o carro sem combustível numa esquina qualquer dessa cidade. (Nunca ande ao mesmo tempo sem dinheiro e com o marcador escangalhado, um dia sua intuição irá falhar.) A caminhada numa cidade brasileira ordinária traz sempre a mesma paisagem entediante, por mais zen que você seja e por mais que acredite, como Thoreau, que não há lugar deserto o bastante para o poeta. Pouco importa: se você não está numa praia do Rio de Janeiro, no centro antigo de São Paulo, Salvador ou em algum lugar como Ouro Preto, Trancoso ou Parati, desista, entregue-se ao seu ócio locomotico e tente não dormir enquanto caminha, o que, aliás, teria sido excelente hoje. Bocejei tantas vezes que comecei a rir comigo mesmo, imaginando que seria ótimo ter um piloto automático atrás da nuca. Tudo isso porque buscava a terra perdida do Citybank, onde eu deveria – mas não consegui – receber minha grana da publicidade da Google. Não consegui pois, segundo o porteiro do prédio, a atual localização desse banco é um “mistério”. E ele tem razão: até a lista telefônica online traz o endereço e o telefone errados. É nessas horas que a gente fica com vontade de sair divulgando, a plenos pulmões, aquele filme do Mel Brooks: Que droga de vida! Contudo, ainda resta uma esperança. Se o Indiana Jones encontrou a Arca da Aliança, por que eu não poderia encontrar o Citybank? Um dia eu chego lá. Sim, um dia.
Outro pensamento que me assolou durante todo o trajeto foi: qual será a resolução do mundo? Digo, a resolução gráfica, porque é tudo tão bem definido. A gente vê os mínimos detalhes das flores e das árvores, uma coisa fascinante. Há até uma poeirinha cobrindo as plantinhas! Não me abaixei para ver melhor porque poderiam achar que voltei a usar psilocibina. Mas eu juro: as calçadas têm frestinhas delicadas, marcas de pneu, pedacinhos brilhantes de chiclete seco, cocozinhos de cachorro de verdade e assim por diante. Eu tinha me esquecido disso. Ah, as pessoas também são interativas. Do nada surgiram três caras que me ajudaram a empurrar o carro até uma vaga de estacionamento e, com a mesma rapidez com que vieram, sumiram. Seriam dispositivos de segurança do software universal? Acho que não, já que eu não sou um software e um deles me disse: “Pode entrar no carro, irmão!” Meus irmãos não são automáticos… Onde estava? Ah, claro, na alta definição das coisas luminosas deste mundo. A placa de vídeo do meu laptop é humilde e tem apenas 64Mb de memória compartilhada com a RAM. Qual será a memória da placa de vídeo cósmica? Um pixel para cada átomo? Como é?… (Pausa para limpar o suor da testa.) Bem, se você perguntar algo assim a um fotógrafo talentoso – tal como meu amigo Dante Cruz – ele lhe dirá que a resolução gráfica do universo “tende ao infinito”. É simplesmente fantástica a quantidade de detalhes de luz e sombra, claro e escuro, além das cores mesmas, que você pode captar com uma película de alta sensibilidade. Com um filme fotoquímico você pode ampliar fotos até o tamanho de um grande outdoor. E a imagem digital está quase chegando aos calcanhares do filme fotoquímico. Um dia ela chega lá. Sim, um dia.
Em seguida, irritado com um ônibus enorme da campanha do Alckmin sobre a faixa de pedestres – que me obrigou a dar toda uma volta por trás dele para conseguir atravessar a rua, e isso puto pelo fato de não ser um caminhão do Lula, o que ao menos tornaria minha raiva gostosa, uma coisa boa de curtir – mas enfim, ali, diante do ônibus, me lembrei de uma entrevista do Ricardo Semler na qual ele diz que sua utopia seria levar uma vida urbana no campo. Hummmm. É exatamente o que eu queria. Mas o que afinal torna isso impossível? Os carros, claro, os automóveis, toda essa barulheira infernal que certamente atropelaria nossos carneirinhos e nosso São Bernardo. Eu sou o tipo de cara que daria um bom piloto de Fórmula 1 apenas para poder pagar um motorista que me levasse de lá pra cá pelas vias urbanas. As pessoas compram Audis para ficar paradas no trânsito ao lado da minha Caravan Comodoro 1983. Por isso adoro dirigir de madrugada, quando as ruas são minhas. Mas sem correr, claro, minha imaginação é paranóica. Aliás, qualquer ser de intelecto são – ou deveria dizer insano? fiquei em dúvida – qualquer um deles prefere viver num cantinho de cidade grande em que possa levar uma vida de interior, a pé, tal como Woody Allen em Manhattan. É preciso gostar muito de segurar e apertar um câmbio para ter tanto tesão assim em andar de carro. Meu sonho de consumo é um Porshe, mas que farei com ele no Brasil? A única ocasião agradável seria uma viagem a 200Km/h, mas as estradas esburacadas e o IPVA esburacador acabariam com o coitado. E com meus bolsos. Enfim, a única forma de viver urbanamente no campo (ou campestremente na urbe) seria voar, tal como um pássaro, sem a necessidade de qualquer mecanismo artificial. O que define a urbe é o rápido acesso ao próximo. Voar seria isso. Senti tanta falta de voar hoje! Passei toda a semana voando no Second Life e logo esta tarde, quando eu mais precisei, não consegui me elevar sequer 50cm. Muito chato isso. No Second Life há carros também. Mas… para quê? Afinal, todos nós somos capazes de voar e de nos teletransportar ali dentro. Os carros viram meros fetiches, objetos de decoração, tal como imagino que sejam nos Mundos das Mansões, para onde iremos após a morte. Se Deus quiser. Sim, se Deus quiser…