As Musas da Nova Geração

Hoje de manhã, quando acordei, havia quatro crianças seminuas ao redor da minha cama. Observavam-me com feições inexpressivas. Surpreendido, sentei-me, enrolando o lençól à cintura.

“Que diabo é isso?! Quem são… o que vocês estão fazendo aqui?”

“Somos olhando”, retrucaram em uníssono.

“Olhando parados, sem pensar. Respirando-contemplando”, acrescentou o mais alto.

Como morava só e mantinha sempre a porta trancada, vi que eram criaturas de outro mundo. Eram crianças de aparência andrógina, cabelos nos ombros, pele pálida e, à primeira vista, não tinham muita vontade de falar ou mover qualquer músculo.

Cortei o silêncio:

“Vocês são espíritos, não é?”

“Somos.”

“Anjos?”, perguntei em meio a um sorriso amarelado.

“Sim. E demônios.”

Franzi o cenho sem compreender:

“As duas coisas?!”

“Muito mais”, soltaram sempre lacônicos.

Então, lembrei-me de que minha avó – especialista no quesito assombração – me prevenira da conveniência de perguntar a este tipo de aparição qual a finalidade da visita. Isto geralmente encerrava a constrangedora confraternização.

“O que é que vocês querem de mim?”, indaguei contendo o embaraço.

“Coca-cola!!”, disseram abrindo-se num sorriso.

Fiquei besta com essa resposta, pensando que tudo aquilo certamente não passava de alguma sacanagem elaborada por amigos ou, quem sabe, da armação de algum programa de câmera escondida, uma pegadinha enfim. Mas ninguém sabia – e ninguém ainda sabe – que eu estava neste apartamento! Enfadado, levantei-me e fui olhar a geladeira. Para beber só havia guaraná Antárctica, leite e suco de caju. Disse-lhes:

“Não tenho Coca; por que não procuram em outra casa ou, sei lá, num supermercado?”

“Queremos Coca-cola”, contestaram automaticamente.

Irritei-me:

“Não vou perder tempo atendendo capricho de moleque fantasma!”

“Ótimo!”, retrucou o coral d’além. “Então faça o que tem de fazer…”

“Vou escrever e não quero que me molestem”, disse, lembrando-me que havia já semanas meu romance inacabado vinha me esperando em vão.

Sorriram enigmáticos e me seguiram até o computador. Rodearam-me.

“Queremos Coca-cola!!”, disseram encarando-me.

Meditei por segundos. Logo, sorri compreendendo aquele chiste celeste. Peguei um papel onde escrevi com letras de forma: “Coca-cola”, e lhes entreguei.

“Bom trabalho!”, disseram quase num sussurro. Depois desapareceram.

(Brasília, 1994.)

Back to Top