O Ramadã segundo Burton

Ao fim do Ramadã deste ano, só me vem à lembrança os comentários do explorador inglês Sir Richard Francis Burton (1821-1890), o qual, além de converter-se ao islamismo, ainda tornou-se xiita e, posteriormente, mestre Sufi. Segundo Burton, “aquele ‘mês santo’ era um castigo terrível”, pois tornava os muçulmanos “doentios e inamistosos”.

Durante dezesseis horas e quinze minutos seguidos, ficávamos proibidos de comer, beber, fumar, cheirar e até engolir nossa saliva de propósito.

O Jejum deixava as pessoas de péssimo humor.

Os homens praguejam uns contra os outros e batem nas mulheres. As mulheres esbofeteiam e destratam as crianças, as crianças por sua vez maltratam e xingam cães e gatos. A pessoa mal consegue passar uns dez minutos em qualquer parte populosa da cidade (Cairo) sem ouvir alguma briga violenta.

Numa situação destas não é de se estranhar essa última série de atentados terroristas no Iraque e na Turquia. Os militantes certamente estavam — como se diz em Goiás — com a “vó atrás do toco”…

Mas, num Ramadã, nem tudo é rabujice. Segundo Edward Rice, biógrafo de Burton, apesar desses efeitos colaterais

Burton, como os outros, obedecia escrupulosamente ao jejum do Ramadã. À meia-noite e meia, um tiro de alerta avisava os fiéis que era hora da última refeição do dia. Vinham as orações, e depois, lá pelas duas e meia da madrugada, soava a ordem de abstinência. Os bons muçulmanos se abstinham de comer e beber enquanto havia luz do sol; observava-se o jejum enquanto se pudesse distinguir entre um fio branco e um fio preto. No primeiro alvorecer, Burton dizia suas preces e dormia até de manhã. (…) No final da tarde, o calor era opressivo. Um vento espalhava pela cidade o pó e o calor de fornalha do deserto. Nem uma nuvem aparecia no céu limpo. Enfim, “se aproxima a hora do pôr-do-sol – e como demora para chegar! – [e] a cidade parece se recuperar de um transe”. A noite caía e novamente era permitido comer.

Embora, pela escassez de alojamentos, ele fosse obrigado a ficar na região grega da cidade, Burton preferia passar o tempo nos bairros muçulmanos, onde a vida era muito mais interessante. “Todo mundo fala, e é uma fala sempre exagerada, ou aos sussurros ou aos gritos.” Tudo era empolgante nas ruas cheias, entre os contadores de histórias, os cantores e pregadores ambulantes. As pessoas lotavam os cafés ao ar livre, ouvindo bandas gregas e turcas ou comendo bolos, amêndoas torradas, tomando café e bebidas açucaradas. E aí havia “certas damas cujo único sinal de modéstia é a burka ou véu do rosto”. Embora tivessem de cobrir o rosto, muitas mulheres não tinham pudor em andar com os seios nus. Havia um ar de animação por toda parte: o menino do burrico esbordoava sua montaria, “mendigos intensamente orientais”e mulheres cegas batiam dois pauzinhos e cantavam: “O túmulo é escuridão e a boa ação é a lâmpada que o alumia”.

(Sir Richard Francis Burton – o agente secreto que fez a peregrinação a Meca, descobriu o Kama Sutra e trouxe as Mil e Uma Noites para o Ocidente, de Edward Rice.)

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