Por Alceu Garcia
O Professor Adriano Benayon revelou finalmente o que entende serem as causas das depressões econômicas e suas relações com o liberalismo, conforme recente artigo publicado no site do Prof. Ricardo Bergamini(www.angelfire.com/sc3/ricardobergamini/benayon3.htm). Como o autor fez a gentileza de explicitar uma teoria acerca do fenômeno estudado, o que não fizera antes, é possível agora examinar e testar a consistência, coerência e veracidade de seus argumentos e provas.
Todo o raciocínio de Benayon repousa basicamente sobre duas abordagens: a teoria da concorrência perfeita derivada da obra de Leon Walras e a teoria da concentração do capital elaborada por Karl Marx e refinada por Rudolf Hilferding. Assim, antes de analisar o texto do professor ponto por ponto, é preciso estudar em linhas gerais o modelo Walras-Marx por ele adotado.
O método da ciência econômica é o das construções imaginárias, modelos abstratos em que, a partir de certos postulados, procura-se isolar mentalmente causas e efeitos de modo a compreender uma realidade que não pode ser reproduzida e controlada em laboratório (Mises, Ação Humana, p. 234). A concorrência perfeita é uma dessas construções abstratas. Postula-se (por ex., Rosseti, Introdução à Economia, p.265) um mercado em equilíbrio, em que os vendedores são muitos e nenhum deles determina o preço, o produto é homogêneo, todos os participantes, inclusive os compradores, são dotados de informações perfeitas sobre o produto, localização etc.
Trata-se de um modelo fundado em pressupostos irrealistas, concebido para tratamento matemático de modo a que as contas “fechem” no final, e que contribui pouco para a compreensão do que se propõe a retratar. A concorrência perfeita é uma situação de equilíbrio, estática, morta. Um trabalho famoso de F. Hayek (The Meaning of Competition, no livro Individualism and Economic Order), economista vencedor do Nobel de 1974, demonstrou que, enquanto a concorrência no mundo real é um processo, evidentemente dinâmico, o modelo da concorrência perfeita esboça (por ironia, imperfeitamente) o resultado idealizado e esterilizado desse processo num determinado momento. Esse paradigma teórico não fornece ao estudioso nenhuma pista de como as coisas chegaram ao ponto em que chegaram, nem tampouco razão alguma para que se aceite o estado final imaginário apresentado como estado final concreto e muito menos motivo e legitimidade científica ou prática para que o modelo se preste a elemento normativo para julgamento e reforma dos mercados vivos.
O fracasso da concorrência perfeita se deve ao fato de que ela abstrai justamente o que é absolutamente fundamental no estudo da economia: o homem. Na economia de mercado é o homem em seu papel de consumidor quem determina o que deve ser produzido, em que quantidades e a que preços. E é o homem na qualidade de empresário quem procura organizar a produção no sentido de antecipar, descobrir e atender corretamente as preferências e gostos dos consumidores. E essas preferências e gostos estão em perene transformação porque essa é a natureza humana. As pessoas querem mais disso e menos daquilo, querem melhor qualidade e menor preço, querem coisas que ainda nem foram inventadas. O estudo fecundo da concorrência deve levar em conta o seu atributo dinâmico, sua natureza como processo, a inter-relação de todos os mercados, as preferências mutantes dos consumidores e a função dos empresários. Devemos aos economistas da escola a! ustríaca a restauração e o refinamento da concepção correta e dos parâmetros adequados para a abordagem do fenômeno, que eram conhecidos e utilizados pelos economistas clássicos (v. por ex. I. Kirzner, Competição e Atividade Empresarial).
A partir dos anos 20 e 30, o modelo da concorrência perfeita e suas derivações (concorrência monopolística, concorrência imperfeita) tornaram-se tão populares entre os economistas que passaram efetivamente a representar a norma pela qual se julgava a realidade. Mas na economia viva não há, nem nunca houve, nada que igualasse as elegantes curvas e as exatas equações dessa abstração matemática. Diante dessa compreensível falha da realidade em se comportar como no modelo, ao invés de rejeitar um método inadequado, os economistas preferiram enfiar a realidade no modelo de qualquer jeito, seguindo a moda estatista da época. Assim, quando um mercado não atendesse aos requisitos da construção mental da concorrência perfeita (isto é, sempre!), recomendava-se a intervenção do Estado em nome da livre concorrência.
Teria que ser desse forma, pois, na ausência de controle estatal, o “capitalismo selvagem” fatalmente perverteria a livre concorrência, transmutando-a em poderosos e nocivos oligopólios e monopólios. É aqui que entra a teoria marxista da concentração do capital, segundo a qual a tendência imanente ao mercado é a progressiva e inexorável aglomeração do capital em vastas empresas monopolistas até que só reste um único supermonopólio. Dito de outra forma, da livre competição brotaria dialeticamente o monopólio, revelando mais uma das contradições internas do capitalismo. Passemos a analisar esse ponto.
Para os primeiros economistas não havia dúvidas sobre a natureza do monopólio. Tratava-se de uma intervenção estatal no mercado pela qual o governo outorgava a alguém o privilégio exclusivo da produção e/ou comercialização de um determinado produto, proibida a concorrência sob pena de prisão. Desse modo o monopolista podia fixar o preço que lhe fosse mais lucrativo, mediante a descoberta de uma quantidade ofertada ótima, sem preocupação com a qualidade e muito menos com a redução do preço pelo aumento da quantidade ofertada por concorrentes. Essa política mercantilista comum durante séculos sobrepunha o interesse do produtor ao do consumidor, e foi por retratar a questão sob o ângulo do consumidor que os economistas liberais conseguiram persuadir a opinião pública de que a intervenção estatal na economia era injusta e contrária aos interesses de cada nação. Contudo, a partir de Marx, a economia abandonou os elementos ! Estado e soberania do consumidor no tratamento da questão do monopólio, o que resultou em confusões e teorias incrivelmente falaciosas.
Coube ao economista M. Rothbard (Man, Economy and State, pp. 560 e seguintes) resgatar a análise correta e aclarar definitivamente as obscuridades inúteis. Sem a intervenção do governo, o monopólio – direito exclusivo de venda de determinado bem ou serviço – é irrelevante, uma vez que praticamente todos os produtores são monopolistas! Ou seja, a Ford tem o monopólio da venda dos carros da Ford, a Coca-cola é a única vendedora de coca-cola e assim por diante. Havendo liberdade de entrada no mercado, o que só a força coercitiva do governo pode impedir, as condições de concorrência e a soberania dos consumidores ficam preservadas. Mesmo quando existe um único vendedor de determinada mercadoria, ele é impedido de cobrar o preço que quiser, visto que um preço muito alto fatalmente atrairá competidores seduzidos pela perspectiva de lucro. O economista David Friedman, filho do prêmio Nobel M. Friedman, relata (The Machinery ! of Freedom) como um magnata do petróleo tentou liquidar a concorrência vendendo abaixo do custo e seu deu mal. Os concorrentes suspendiam suas operações e, quando Rockfeller elevava o preço, eles reabriam suas refinarias e instalações vendendo a menor preço. Rockfeller então comprava as fábricas dos concorrentes, mas os mais espertos entre eles imediatamente abriam outras e ganhavam um bom dinheiro vendendo seus negócios ao biliardário, até que este cansou de perder dinheiro e se conformou com a soberania do mercado.
Se o Estado não se imiscui na economia, o fato de poucas ou mesmo uma só empresa “dominar” um determinado mercado está longe de ser um mal em si, desde que o inútil modelo da concorrência perfeita seja descartado como padrão de avaliação. As empresas mais eficientes tendem a ganhar escala e reduzir ao máximo os custos por unidade produzida, o que resulta em maiores quantidades e menores preços, favorecendo os consumidores. Pagando menos pelo bem x, sobra dinheiro para os consumidores comprarem os produtos y e z ou poupar, o que estimula a produção de outros bens de consumo e de bens de capital. Dito de outra forma, os salários reais aumentam na medida em que o trabalho se torna mais escasso em relação ao capital. É assim que se progride. Mas o gigantismo das empresas não é necessário nem ilimitado. Sempre há uma tamanho ótimo além do qual os custos e a ineficiência aumentam, em face da lei econômica elementar dos rend! imentos decrescentes. Esse tamanho ótimo nunca está dado nem é permanente, daí que tem que ser encontrado empiricamente e perpetuamente alterado segundo as constelações do mercado o exigirem. Por maior que seja, nenhuma empresa privada está imune às forças de mercado. Se ocorre descompasso com a demanda dos consumidores, a vasta multinacional incorre em prejuízos, que, se não revertidos, redundam em falência, como acontece com qualquer boteco e armarinho.
Nem mesmo as combinações entre produtores para limitar voluntariamente a concorrência, acordar quotas de produção (limitando a oferta) e aumentar preços (cartéis e oligopólios) resistem às forças impiedosas da competição. Essas combinações são inerentemente instáveis porque os produtores mais eficientes, capazes de obter lucros maiores vendendo mais a menor preço, logo se cansam de carregar os menos eficientes nas costas e quebram os acordos. E a estipulação de preços artificialmente elevados de todo modo estimula o aparecimento de novos concorrentes não obrigados pelos acordos entre os oligopolistas. Foi a retomada das práticas mercantilistas da proibição ou obstrução legal da concorrência pelo Estado, a partir de fins do século 19, que permitiu aos produtores em conluio com políticos e burocratas subjugar as forças da competição e do mercado, anulando a soberania dos consumidores. A comunidade dos economistas, iludi! da como o Prof. Benayon pelas miragens da concorrência perfeita e da concentração, com poucas exceções como L. von Mises (Uma Crítica ao Intervencionismo, ensaios e artigos da década de 20, Omnipotent Government, de 1944, sobre a cartelização da economia alemã antes da 1ª guerra feita sob comando estatal), demorou a identificar a origem óbvia do problema. Entretanto, muitos deles, como Kant, despertaram de seu sono dogmático e passaram a articular a análise correta do monopólio e invocar copiosa prova empírica de sua relação com a atuação do governo. Entre eles o nobel G. Stigler, cujos estudos (The Theory of Economic Regulation, A Theory of Oligopoy etc) ficaram famosos na literatura econômica, Yale Brozen ( Is Government the Source of Monopoly? and Other Essays), D. Armentano (The Myths of Antitrust: Economic Theory and Legal Cases), o historiador G. Kolko (Rairoads and Regulation) e outros.
Outra falácia na teoria marxista da concentração é o pressuposto oculto de que existe um limite para o que pode ser produzido, além do qual o capital acumulado torna-se ocioso e a economia entra em estagnação. Bobagem desse quilate é facilmente refutada teoricamente, bastando lembrar que o capital, como bem econômico, é sempre escasso e consequentemente nunca lhe falta emprego, até porque as necessidades e desejos de consumo da humanidade são ilimitados. Por outro lado, a experiência demonstra inequivocamente o absurdo da tese de Marx, pois desde a sua morte dezenas de indústrias antes inexistentes nasceram e prosperaram, tais como a automobilística, aviação, telefonia, computação, eletroeletrônicos etc, e as que já existiam nunca deixaram de progredir e se aperfeiçoar, como as ferrovias, a navegação, a indústria química etc.
Isto posto, imaginemos um cenário qualquer para a incidência imaginária das teorias do Prof. Benayon e verifiquemos suas consequências. Digamos que em 1800 o mercado de carroças esteja operando em condições de concorrência perfeita, inexistindo concentração de capital e prevalecendo o equilíbrio geral walrasiano em toda a economia. Este é o mundo ideal segundo o professor, que, no nosso modelo, é o ditador do mundo, de modo a que possa empregar benevolamente, segundo sua ótica, os poderes estatais na economia em prol do interesse público. Para que nada perturbe o sereno setor das carroças, o professor tem que impedir que qualquer produtor se atreva a produzir uma carroça melhor que a dos concorrentes e cobrar preço inferior ao vigente. A concorrência perfeita e o equilíbrio geral não podem ser perturbados de maneira alguma e a concentração do capital tem que ser obstada de qualquer jeito, de forma que, quando um cient! ista inventa o transporte ferroviário e convence empresários e poupadores a investirem num projeto que atenderia o desejo dos consumidores de um transporte mais rápido, eficiente e barato do que as carroças, o Prof. Benayon veta a empreitada sem apelação, em nome do bem comum! Ou seja, a prevalecer a visão do professor, ainda estaríamos nos locomovendo em carroças em pleno século 21! Parece piada, mas não é. As teorias defendidas por Benayon e por muitos de seus colegas mais eminentes (os economistas do PT e do PSDB, por exemplo!) são absurdas e quando implementadas levam diretamente aos piores desastres econômicos.
Concluída a refutação genérica dos padrões teóricos do Prof. Benayon, examinemos mais detidamente suas proposições particulares. 1- Diz ele que o poder econômico das empresas privadas apossa-se do Estado impondo a ideologia liberal e afastando o governo do controle benevolente da economia. Incorreto. Os estudos que citei demonstram que o conluio entre políticos e grandes empresas para limitar a concorrência é a própria fonte do monopólio, que o Estado é o comparsa mais ativo e poderoso nessa conspiração, posto que só ele detém o poder de polícia e que esse tipo de intervenção é o contrário do que prega o liberalismo, representando um retrocesso ao mercantilismo. Ademais, foi nesse período neomercantilista que a intervenção estatal direta na economia cresceu desmedidamente em toda parte. 2- Afirma o professor que os países que investiram mais em bem-estar social tiveram o melhor desempenho econômico, citando diversos a! utores. Mesmo prescindindo da necessária definição de “investimento em bem-estar social”, é claro que tal conclusão é espúria, visto que os governos comunistas, supostamente os que mais investiram em “bem-estar social”, tiveram o pior desempenho econômico possível, tanto que faliram e não existem mais. Os países que mais prosperaram sustentadamente desde o século 18 foram aqueles que deixaram o “bem-estar social” aos cuidados do mercado. 3- Diz que a concentração do capital não é efeito do dirigismo estatal, mas da ausência dele. Falso. Além do que já foi dito a respeito da teoria da concentração, vale notar que nunca houve maior concentração de capital do que os países comunistas, onde todo ele era concentrado no e dirigido pelo Estado. 4- O Estado deve intervir na economia para impedir a formação de monopólios e oligopólios. Inverídico. Como já assinalado, é o Estado a origem e causa dos monopólios economicamente relevantes e da estabilidade sustentada de cartéis e oligopóli! os, mediante a obstrução forçada da concorrência. 5- As Leis anti-truste americanas vieram tarde e são brandas. Errado. Essas leis são no mínimo inúteis e em geral altamente nocivas por desprezarem o interesse do consumidor e idealizar a concorrência sob a forma do modelo falacioso da concorrência perfeita. Sua aplicação na prática privilegia os interesses escusos de produtores superados economicamente por concorrentes mais eficientes, cuja estrutura produtiva é destruída ou seriamente afetada, desatendendo as preferências dos consumidores livremente manifestadas. 6- A alta concentração de capital no Brasil decorre de uma legislação pouco rigorosa. Impossível. Os monopólios e oligopólios no Brasil são todos de origem estatal, por reserva legal de mercado para estatais como a Petrobrás e dezenas de outras (muitas felizmente privatizadas), ou por outorga de antigos monopólios ao setor privado em oligopólios controlados pelo governo via licenças, licitações, permissões etc.
A seguir o Prof. Benayon aborda a questão das depressões. Preliminarmente, vale recordar que existem muitas teorias visando compreender essa patologia econômica. As principais são a teoria marxista da concentração, a teoria keynesiana da demanda agregada insuficiente, a teoria schumpeteriana da destruição criativa e teoria monetária da escola austríaca. O professor prefere a primeira, como já visto. Eu divulguei para o pessoal da minha lista a magistral síntese da teoria austríaca publicada pelo Prof. Ubiratan Iorio, também disponível em seu website (www.ubirataniorio.hpg.ig.com.br/frame1.htm), que eu considero a mais correta e que informa a análise aqui tecida. Deixaremos de lado nesse trabalho, pois, as outras abo! rdagens. Continuando Benayon assevera que: 7- A depressão é gestada pelo acúmulo de capital pelas grandes empresas, excedendo em muito o que elas investem efetivamente na produção. Inverídico. O exame da contabilidade dessas empresas revela que o lucro líquido (após impostos, dividendos aos acionistas etc) é quase todo reinvestido na produção. 8- Esse acúmulo ocorreria em razão dessas empresas deterem o poder de estipular unilateralmente o preço de seu produto. Errado. Conforme exposto, somente a proibição da competição pelo Estado subtrai o produtor do regime concorrencial, mesmo sendo ele o único produtor. O erro está em tomar o modelo da concorrência perfeita como ideal, como já articulado. 9- A determinação unilateral dos preços reduz a renda dos consumidores, minimiza a magnitude dos investimentos necessários e gera demanda estagnada. Negativo. Não há determinação unilateral dos preços (salvo quando o Estado o permite); na realidade as grandes empresas produzem a baixos p! reços e pagam salários acima da média, elevando a renda real dos consumidores. E as grandes empresas são aquelas cuja produção é mais intensiva de capital. 10- Com o declínio dos investimentos, criam-se menos empregos e o desemprego cresce. Absolutamente errado. O trabalho é um bem econômico, de maneira que nunca falta demanda correpondente à oferta. O desemprego generalizado e permanente resulta invariavelmente da intervenção do Estado e dos sindicatos por ele apoiado no mercado de trabalho, fixando unilateralmente salários acima da produtividade marginal (mais do que o empregador recupera quando vende o seu produto). Como ensina a mais elementar teoria dos preços, um preço posto acima do ponto de equilíbrio entre oferta e procura redunda em excedente encalhado de oferta. Um baixo índice de capital investido per capita não causa desemprego jamais, mas apenas salários reais baixos. 11- Os investimentos públicos cessam com as políticas liberais. Incorreto. Seria assim decerto n! o caso de políticas liberais, porém, como os “investimentos” públicos são feitos necessariamente à custa de investimentos e consumo privados, pois o Estado vive do que tira das pessoas e empresas, a inocorrência de “investimentos” públicos corresponderia a realização de investimentos privados muito mais produtivos, posto que submetidos ao crivo do mercado via teste de lucros e perdas, o que não acontece com as inversões estatais, decididas por políticos e burocratas e cujo insucesso não lhes afeta. A realidade em todo caso é bem outra. Em quase todo o mundo “neoliberal” de hoje a participação do estado no PIB está pra lá de 40%, de modo que os “investimentos” públicos nunca estiveram tão bem. Não é por aí. 12- O baixo nível de investimentos privados e públicos deflagra e agrava a depressão. O capital ocioso migra para a especulação financeira improdutiva e os governos pioram a situação emitindo moeda e reduzindo os juros alimentando a especulação. Nada disso. A teoria do Prof.! Benayon erra no atacado e no varejo. A prova empírica demonstra que as depressões são precedidas por um período febril de prosperidade, caracterizado inicialmente pelo intenso investimento no setor de bens de capital e depois por monumentais bolhas especulativas financeiras. É assim desde o século 19, conforme comprovam, v.g., os estudos de M. Rothbard (The Panic of 1819, America’s Great Depression). E a causa desses booms, pois sempre lhe precedem, são a criação ex-nihilo de moeda via crédito bancário pelos Bancos Centrais, inundando a economia com dinheiro artificialmente barato. Os empresários são levados a acreditar que há mais poupança disponível para investimento do que efetivamente existe, e se apressam em investir em projetos de maturação lenta, aquecendo a indústria de bens de capital. Em algum momento, contudo, o governo é obrigado a reverter a política de dinheiro fácil, sob pena de causar uma hiperinflação, passando a restringir o crédito e elevar a taxa de juros.! Essa medida revela subitamente aos empresários que seus projetos não são lucrativos à taxa de juros real, de maneira que a crise começa sempre no setor de bens de capital e daí vai se espalhando até atingir toda a economia, estourando no processo as bolhas especulativas alimentadas pelo excesso de crédito. A depressão que se segue é o período em que a economia se reajusta ao total de poupança efetivamente disponível para investimento, adequando-se preços e custos e transferindo os fatores de produção conversíveis (passíveis de transferência de uma linha de produção para a outra) dos setores insustentáveis para os rentáveis segundo a taxa de juros real. Voltar a expandir a base monetária (reflação) é inútil e só atrasa o reajuste, como ocorreu nos EUA nos anos 30 e está ocorrendo no Japão desde 1991. O roteiro acima é o articulado na teoria pura por Mises/Hayek. Com base nele, o economista australiano Gerard Jackson (www.newaus.com.au) pôde prever com muita antecedência a atua! l recessão americana através da simples análise dos números do Banco Central americano, que emitiu em larga escala nos anos 90. As depressões são causadas pelo excesso de crédito na economia, e quem controla o crédito é o Estado. Em suma: a causa das depressões é o Estado.
Assevera mais o professor que: 13- A “política liberal” estimula a exação tributária, sobretudo em países “administrados pelo FMI”, como Brasil e Argentina. Isso é uma má caricatura da realidade e um estelionato semântico. Em primeiro lugar, as altas cargas tributárias atuais não são de modo algum fruto de propostas liberais, muito pelo contrário. Depois, não se pode seriamente considerar liberal o FMI, instituição criada pelo socialista Keynes e pelo comunista H. White para permitir aos governos inflacionarem internamente, insulados artificialmente dos efeitos externos da inflação, de modo a encorajar a “demanda agregada” e os “investimentos públicos” que tanto agradam o Prof. Benayon. Os liberais foram contra a criação do FMI (v. H. Hazlitt, From Bretton Woods to World Inflation) e vêm exigindo a sua extinção desde então (P. Bauer, M. Friedman, F. Haeyk, L. v. Mises e outros). De resto, é o aval do FMI que tem permi! tido a governos como o nosso, desde a Segunda Guerra, tomar recursos privados no mercado internacional para financiar os tais “investimentos públicos”. Por fim, são justamente os calamitosos déficits fiscais decorrentes dos “investimentos públicos”, na realidade malversação criminosa de recursos escassos por políticos e burocratas irresponsáveis e parasitários, que obrigam os governos da Argentina e do Brasil a mendigar o apoio do FMI para convencer os credores privados a continuar lhes emprestando.
Por fim, cabe observar que a apologia do professor aos “investimentos públicos em infra-estrutura indutores de investimentos privados” mais uma vez equivoca-se inteiramente, invertendo causas e efeitos. Os governos tiveram 6 mil anos para construírem estradas de rodagem decentes e nunca o fizeram. O melhor que se obteve foram as estradas romanas, que, contudo, tinham função militar, não econômica, visto que visavam facilitar o deslocamento das legiões. Os governos só investiram em estradas após o mercado criar o automóvel. O mesmo quanto às ferrovias. As geradoras elétricas e respectivas linhas de transmissão só passaram a existir depois que o mercado operacionalizou comercialmente o uso da energia elétrica. O transporte urbano eficiente nasceu com os bondes ingleses do setor privado. A saúde pública só ganhou relevo depois do surgimento de uma indústria farmacêutica privada. Assim por diante. O Estado sempre esteve a! reboque do mercado, e melhor teria feito se deixasse tudo a cargo dele. Mas essa discussão envolve a teoria dos bens públicos e das falhas do mercado, de modo que fica para outra ocasião.
Alceu Garcia – Rio de Janeiro