Crítica ao Ensino Superior — Ana Lúcia Canêdo

— Escritor lança livro de contos, onde mostra, de maneira irreverente, as falhas do ensino nas universidades —

(por Ana Lúcia Canêdo, de O Diário da Manh㠗 15/11/1998)

De universidade, o paulistano Yuri V. Santos entende. Ele fez os cursos de Jornalismo, na UFG; Engenharia Civil, na UCG; e Engenharia Florestal, Letras-literatura e Artes Plásticas(habilitação em Teoria, História e Crítica de Arte), na Universidade de Brasília. É verdade que não concluiu nenhum dos cursos. O motivo de tantas desistências explica a vontade de escrever o livro: falta de estímulo e de intercâmbio entre professores e alunos. “Por gostar da universidade e ver o quão pouco é aproveitada pelos próprios alunos. E, claro, o descaso do governo e da maioria dos professores e servidores.”

Yuri nasceu em São Paulo e veio para Goiânia aos 14 anos, quando o pai se aposentou. Hoje, com 27, mora em São Paulo e é sócio de um estúdio fotográfico, o Base1. Escreve contos e crônicas para revistas e prepara dois livros: uma coletânea de contos e um romance. “A literatura é meu caminho. Meu primeiro livro é o meu diploma”, afirma.

O título de seu primeiro livro, A Tragicomédia Acadêmica — – Contos Imediatos do Terceiro Grau (Editora Vertente, 143 páginas), já diz a que veio. São 19 pequenas histórias que traçam um perfil dos bastidores das universidades, alternando realidade e ficção, absurdos imaginários e fatos cômicos. O que não é real, é fácil perceber, mas o leitor se questiona até onde os personagens são reais ou fictícios.

Brasília

A maior parte dos contos de Yuri é ambientada na Universidade de Brasília —sua própria versão da Atenas de Aristófanes— onde morou por cinco anos. “Eu morava no Campus da UnB e foi uma época incrível. Apesar da falta de uma estrutura universitária ideal, no alojamento convivi com os personagens mais díspares, oriundos não só do país mas do mundo, e passei por situações inusitadas. Todos os alunos deveriam viver dentro do Campus.” Entre tais situações, ele cita uma em que abrigou no seu apartamento um refugiado iraquiano, que havia lutado na Guerra do Golfo e foi encontrado dormindo num dos jardins do Campus Darci Ribeiro.

Em alguns dos contos do livro, Yuri usou personagens reais, como em A Revelação, onde fala sobre um andarilho que morava no bosque da UnB, dizia que era o Messias judeu e arrebanhava “generais” para um exército imaginário, contra Satanás. “O cara realmente existe. Ele morava num bambuzal que tinha dentro da UnB e vivia dizendo que era o salvador da humanidade. Eu tinha um amigo que era um dos generais dele. Seu nome era Chalud, só que eu achava ele tão chato que no livro ele se chama Chatud”, se diverte.

Em Memórias da Ilha do Capeta, outro conto, ele descreve a confusão que aconteceu quando um grupo de estudantes resolveu fazer uma festa regada a chá de cogumelo. A propósito, o tal “Capeta” existe e mora no Alojamento há uns vinte anos. “Foi uma loucura. Cada um que eu via tava numa viagem mais doida que o outro. Uma garota foi encontrada pelo irmão em cima do prédio, querendo voar. Outro cara, que havia visto uma exposição fotográfica sobre a repressão militar no campus, tinha certeza que o exército e a polícia militar apareceriam a qualquer momento. Mas a maioria apenas curtiu a onda”, conta.

Vida

Além da insólita convivência com um soldado iraquiano que tinha quatro mulheres em seu país de origem —”e um bigode igual ao do Sadam Husseim”— o escritor Yuri é o tipo de pessoa que já fez quase de tudo na vida. Antes de entrar para o curso universitário, morou por um ano em uma cidade equatoriana chamada Latacunga, onde publicava contos e crônicas, em espanhol, no jornal El Día. Lá, também fez parte de um grupo de andinismo, junto ao qual escalou nevados e vulcões, tais como o Tungurahua(5060m), o Iliniza Norte(5160m) e o Cotopaxi(5890m), o vulcão ativo mais alto do mundo. “Talvez eu seja o primeiro brasileiro no cume do Cotopaxi. Talvez…” Logo, voltou para Goiânia e, simultaneamente, fez os cursos de Jornalismo e Engenharia Civil. Um ano depois, se decepcionou e desistiu dos dois.

Antes de ir para Brasília, participou de um grupo de espeleologia —”conheço uma caverna no Equador e quinze no Brasil”— e de um projeto de educação ambiental. Foi aí que resolveu estudar Engenharia Florestal na UnB. Quando percebeu que ia se “especializar em plantar bosque de eucalipto para indústria de papel”, desistiu novamente e começou a estudar algumas matérias do curso de Letras. Novamente viu que não era o que queria. “Percebi o óbvio: que lá eles formavam professores de literatura e não literatos, escritores.”

Conselho

Mais tarde, Yuri ingressou no curso de Artes Plásticas, onde fez uma pesquisa sobre Pós-modernismo nas Artes e Literatura pelo CNPq. Quando se preparava para ser professor universitário, seu primo o convidou para ser sócio de seu estúdio, em São Paulo. Seguiu o conselho do Professor Belídson, seu orientador no projeto final, e aceitou o convite. “O Belídson disse: tem esta universidade e a universidade da vida, a escolha é sua. E então colocou nas minhas mãos um calhamaço enorme de textos que eu deveria ler para a próxima aula. No dia seguinte fui pra Bienal de Arte, em São Paulo. Nunca mais voltei. Decidi aprender com a vida”, diz.

Quando estava em Brasília, fez um curso de cinema com ninguém menos que Nelson Pereira dos Santos. “Para selecionar os alunos, ele fazia o seguinte: primeiro aceitava todas as mulheres. Se sobrava alguma vaga, deixava para os homens. Fui um dos três sortudos.” No ano passado, tornou-se amigo da escritora Hilda Hilst, na casa de quem passou um mês. “Pode-se dizer que foi uma espécie de teste. Acho que passei. Ela me convidou para morar com ela. Aceitei, claro. Ela é genial e geniosa, uma maravilha.” Entre cinema e literatura, prefere a última. “Todos os filmes que penso que poderia fazer seriam cheios de efeitos especiais e custariam muito caro. Na literatura, você pode fazer quantos efeitos quiser”, brinca Yuri.

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