Neste texto, eu tento – e acho que não consigo – relacionar duas coisas inconciliáveis: o Livro de Urântia e os ensinamentos de Krishnamurti. (Publicado no extinto blog O eXegeta.)
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Claro, meus amigos irão torcer mais uma vez seus lindos narizes ao que irei dizer agora, mas para mim está bastante claro: a atuação de Jiddu Krishnamurti no século XX e o aparecimento do Livro de Urântia no mesmo período têm tudo a ver, são complementares! (“Lá vem o Yuri com aqueles papos mirabolantes…”) Sim, pois o livro mais incrível que já li em toda a minha vida — O Livro de Urântia — e o excelente Instrutor do Mundo — como queriam Annie Besant e o pirado do Leadbeater — são em conjunto tão paradoxais, se legítimos, que só podemos compreender realmente um se compreendermos também o outro. (Quem não é dogmático mas Vivo, não agiria de outra forma.)
Krishnamurti — para quem nunca ouviu falar — era o cara mais escorregadio, mais teflon da face da Terra: ninguém conseguia encaixá-lo em rótulo algum. Sempre houve quem quisesse tratá-lo como “guru”, “pensador”, “filósofo”, “farsante” e coisas do gênero, mas ele lograva esquivar-se ao que fosse. Repetia sem parar: o homem não nasceu para seguir ninguém, nasceu para a Liberdade e esta deve vir no começo, não no fim de uma busca, não no fim de um esforço ou da adaptação a um padrão ou sistema. Para ele, “pensar no problema é fugir do problema”, uma vez que toda solução só vem à tona no intervalo entre dois pensamentos, quando a mente está em silêncio. A verdade sobre o que quer que seja, dizia, não pertence ao temporal mas à eternidade, e esta não pode brilhar se ofuscada pelo pensamento, que é a forma psicológica do tempo. Para ele, a única solução para todos os nossos conflitos é a atenção permanente, a observação passiva e sem julgamento de todas as nossas relações (interpessoais e com a totalidade do mundo), a qual nos faria, assim, descobrir a verdade relativa a nossos condicionamentos, fugas, apegos, medos e demais ilusões. É, então, pelo reconhecimento do falso como falso que a verdade se nos mostra, já que é ela quem nos deve encontrar. Pois a vida é um desafio de momento a momento, e a mente precisa estar atenta para reagir de acordo com cada um desses momentos. A verdade nos espera no atemporal.
Neste ponto algum filósofo lhe diria: “Sois um cético metódico, isto é, buscais a Verdade pelo afastamento do que é falso. Este método, por si só, é incapaz de atingir aquilo a que se propõe.” E Krishnamurti certamente lhe responderia: Por que tentais enquadrar o que digo em seus conhecimentos? Não estais a ouvir-me? O conhecido é memória e o pensamento é reação da memória, que é tempo, e, se vós tentardes ver o mundo com tal filtro, jamais percebereis a verdade sobre o viver, a qual é sempre Nova, Real, Inesperada. A verdade é o que É, não o que projetais, não o que desejais que ela seja. Numa mente assim ofuscada, todo conhecimento não passa de fuga da Realidade. Vós achais que sois um pensador a criar pensamentos, não é assim? Mas, se realmente estivésseis atentos, perceberíeis que é o pensamento quem cria o pensador e não o contrário. O pensamento está sempre em movimento, tal como a água de um rio no correr dos segundos e, por isso, necessita criar algo heterogêneo, algo que lhe dê a falsa sensação de permanência: daí o “pensador” e o fim da unidade da consciência. O pensamento pode ser um meio muito útil para construir as coisas materiais, para desenvolver técnicas, para administrar negócios, mas não serve para a compreensão do que a Vida realmente é. Porque se uma máquina é um meio de se atingir um fim, as relações humanas, por sua vez, não são uma coisa à qual devemos aplicar ou identificar um meio qualquer, seja ele político, econômico ou filosófico, para se atingir um pretenso fim. Nas relações humanas meio e fim são uma só coisa, uma unidade: se utilizarmos a guerra para chegar à paz, não teremos paz, apenas guerra. Nas relações humanas — ou “mediações humanas” — o meio (do lat. mediu, digo eu) é não apenas a própria relação mas seu único fim. O pensamento, pois, sempre procura criar mil e um meios de atingir um fim — a felicidade, a paz, o amor, Deus — mas, em relação à Vida, o meio é o único fim e, por isso, a liberdade deve vir no princípio, caso contrário, estareis preso à ilusão desde o primeiro passo.
Este, meus caros, é Krishnamurti: o homem que não cita nenhum livro, nenhum texto, nenhum mestre, nenhuma “verdade”, nem Deus sequer. Aliás, se alguém lhe perguntasse sobre Deus, diria ele: “Quereis saber a verdade sobre Deus? Então deveis descobrir primeiro a verdade sobre vós mesmos ou, do contrário, como sabereis se o que encontrais não é apenas vossa própria projeção? Afinal, só podeis buscar o que é conhecido, não é verdade? Deus é o desconhecido e, se o buscais, como O re-conhecereis ao encontrá-Lo?”
Agora, se Krishnamurti é o cara que torce a toalha das nossas mentes encharcadas de ilusões, idéias e teorias, o Livro de Urântia é aquele que veio esticar nossa imaginação até o limite do suportável. E isto também pode significar: criar a maior e mais extraordinária de todas as fugas da realidade! Sim, porque afirmo e afirmarei sempre: quem tiver a paciência e a boa vontade de ler as tais duas mil e cem páginas por inteiro — sem preconceitos — não escapará imune, alguma modificação sofrerá. Mas aquele que se apegar a alguma idéia isolada do livro, sem levar em consideração o todo, poderá pirar. Eu, por exemplo, quase sucumbi à alucinação que é semelhante leitura. Sinceramente, Tolkien é fichinha…