Maria Eu-gênia

Maria Eugênia era professora de Psicologia. Sua mãe previra a futura carreira da filha, quando esta, aos doze anos de idade, ficou gritando histericamente por três dias seguidos, logo após o pai esmagar uma barata enorme na sua frente.

“Essa menina ainda vai parar num hospício…”, dissera a resignada mãe.

Dito e feito. Maria Eugênia, uma aluna exemplar desde os tempos de colégio — “Já é feia, se ficar burra, ¿como é que essa menina arranja namorado?” — graduou-se em Psicologia aos vinte e dois anos, na mesma turma de Garcia Koch, seu namorado desde os tempos de vestibular e atual ex-marido. Conheceram-se num sebo procurando o mesmo livro — o único que faltava para completar suas coleções da obra de um ídolo comum, Joseph Murphy: “O Incrível Poder da Mente”. No aniversário do primeiro ano de namoro, Garcia Koch presenteou Maria Eugênia com um livro de conteúdo um tanto extravagante: “O Segredo do Sucesso”. Algo a respeito de inflar o próprio ego como uma bexiga, pois assim ele se elevaria. (Ninguém dissera ao autor, nem a Garcia Koch e muito menos à Maria Eugênia, que, ao elevar-se, uma bexiga acaba por estourar devido a um aumento relativo da pressão interna.) Maria Eugênia manteria esse livro a seu lado, mesmo após tê-lo jogado fora, pelo resto da vida. Garcia Koch, na mesma ocasião, ganhou da namorada um livro sobre os fundamentos da astrologia. Só comentou algo sobre o assunto anos depois, quando já enfeitava seu apartamento com volumes de Lacan, Freud e Piaget: “Como éramos ingênuos!”, dissera, sem no entanto lembrar-se de que, na época, achara aquele livro demasiado complexo para o seu entendimento.

O divórcio foi uma guerra horrenda. Quando um colega lhes recordou que aquilo não passava de um mero conflito de egos, se recalcaram. A guerra tornou-se guerra fria. Ambos, pois, passaram a divulgar informações confidenciais.

“Uma vez”, dizia Garcia Koch na mesa do bar, “ela segurou meu pênis ereto e disse que queria ter a pele do rosto lisinha daquele jeito… Ela tinha era inveja do meu pênis!”

“Tá falando comigo?”, perguntou indignado o garçom, ao ver aquele homem falando sozinho na mesa.

Maria Eugênia não deixava por menos:

“Ele sempre tinha atos falhos sexuais, o desgraçado.”

“Era precoce?”

“Não, sempre me chamava de Eurico. Era um maldito lacaniano, só queria saber dos desejos do Outro.”

Quando se formou, Maria Eugênia foi trabalhar num sanatório. Não agüentou um mês.

“Aqueles malucos! Nunca prestavam atenção no que EU dizia…”

Depois tentou clinicar. Mas também não deu certo.

“Os pacientes? Eles só queriam saber de si mesmos, não me deixavam falar…”

Maria Eugênia teve, então, a feliz idéia de seguir a carreira acadêmica.

“Mas Maria Eugênia…”

“Cala a boca! Afinal quem que é a doutora aqui?!”

Havia encontrado o seu lugar. O lugar perfeito. Finalmente chegara aonde ninguém seria louco o bastante a ponto de enfrentá-la. Os alunos a temiam e a admiravam. Nas reuniões e seminários, era sempre sua a última palavra.

“CHEGA! Esta reunião está uma vergonha!…” Ai de quem um dia discordasse. Ai…

Mas esse dia chegou. Uma de suas melhores alunas teve o disparate de discordar de seus argumentos dentro da sua própria sala.

“Eu não concordo, Maria Eugênia…”

Maria Eugênia soltou um grito terrível. A aluna saiu correndo assustada, aquela mulher era impossível. Maria Eugênia ficou três dias gritando dentro da sala. Os amigos, apesar do escândalo, felicitaram a coragem da estudante. Infelizmente, para terror da Maria Eugênia, ninguém se lembrou de matar aquela barata horrível que estava embaixo da mesa.

(Conto extraído de A Tragicomédia Acadêmica – Contos Imediatos do Terceiro Grau.)

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