Música eletrônica

Outro dia, na festa de casamento de uma amiga, resolvi perguntar à improvisada DJ se iria rolar algum som eletrônico. A figura me olhou de cima abaixo e perguntou: “Quantos anos você tem?” Trinta e dois, respondi, sem saber, é claro, o que uma coisa tinha a ver com a outra. E ela: “Não acredito! Com essa cara? Você é muito novo pra ter trinta e dois…” E acreditem, amigos, não foi uma cantada. Para ela, música eletrônica é apenas uma veleidade de adolescentes a porejar hormônios, coisa de gente sem gosto musical. O que me fez lembrar as passeatas contra a “guitarra elétrica” dos anos 70….

Nada mais difícil do que acreditar que os humanos são sim capazes de dominar seus instrumentos e não o contrário. Tem muita gente por aí — tipo Kraftwerk, Goldie ou Moby — para provar que música eletrônica não é só bate-estaca, não é só trilha sonora de filme de ação ou de comerciais de TV. Computadores, samplers, sintetizadores e moogys são hoje apenas novos instrumentos. Antes de Beethoven e de seus pares, vale lembrar, certos instrumentos não tinham muita moral, tais como tímpanos e trombones, considerados “barulhentos” e indignos da “verdadeira música”, a música de câmara. Beethoven, imagine, chegou a ser acusado de condutor de banda militar! E hoje o quarto movimento da Nona Sifonia é o hino da União Européia…

Aliás, é até idiota estar falando de uma coisa dessas a essa altura do campeonato. Ossos de viver em meio ao espírito da província, que, como lembra Glauber Rocha numa carta a Paulo Francis, pode atuar até mesmo em Nova York. O que me lembra a idéia de que, para viajar no tempo, basta viajar no espaço. Edgar Varèse (1883-1965), por exemplo, numa época anterior ao computador, pastou para conseguir grana e finalmente poder criar seus instrumentos de música eletrônica. (Os membros do Kraftwerk certamente ainda nem estavam nas fraldas.) Talvez Varèse seja tão pouco palatável quanto Stravinsky, mas foi chamado por Frank Zappa de “o Pai da Música Eletrônica”. Há inclusive uma entrevista que Varèse deu à escritora Anaïs Nin bastante interessante. (Não me lembro em qual de seus livros.) Nela ele descreve a sensação de impotência por saber onde quer chegar e, ainda assim, não conseguir crédito — nos dois sentidos do termo — para provar que está no caminho certo. É duro estar na província. Mesmo que seja na província da galáxia. Para viajar no tempo, basta viajar no espaço. Em algum lugar — em alguma Morada — a idéia de que o Espírito, através da mente, manda não importa em qual equipamento há de ser fato. A história da técnica — da tecnologia — deveria ser a história da conquista dessa soberania do Espiritual. Nada de técnica sem alma ou de vida sem progresso. Apenas músicas eletrônicas sem espírito são bate-estaca. Mário Ferreira dos Santos escreveu sobre esse reflexo da decadência cultural na música: onde há decadência, o ritmo se sobrepõe à melodia. E é possível fazer melodia na música eletrônica, basta que se tenha espírito para tanto. Espírito — Mente — Matéria: dessa justa hierarquia é que vem a Arte.

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