Cientistas e viagens astrais

Recentemente a revista Isto É publicou um artigo — Acredite se quiser (25/09/02 No 1721) — distorcendo uma matéria publicada na Nature News Service sobre uma das possíveis causas das experiências fora do corpo (Out-of-body experience). Enquanto examinavam uma paciente epilética, cientistas suiços foram surpreendidos pelos estranhos efeitos causados por pequenos eletrochoques que aplicavam numa região do cérebro chamada “giro angular” (relacionada com a “visão mental” e localização espacial do corpo): a paciente ora se via flutuando, ora via seu corpo de um ponto externo a ele, ora via seus membros se movendo quando, para os cientistas, eles estavam estáticos. Para a revista Isto É, isso prova que a “sensação extracorpórea” é uma “peça que o cérebro costuma pregar nos seres humanos”. E mais: afirma que a ciência é uma “desmancha-prazeres”. Já a revista Nature, citando o neurologista John Marshall (Radcliffe Infirmary in Oxford, UK), afirma claramente: “The new experiments cannot disprove such ideas, says Marshall: ‘It doesn’t show that people with paranormal beliefs are wrong’ — it simply demonstrates one way that the experience can be stimulated” (“Os novos experimentos não podem refutar tais idéias, diz Marshall: ‘Eles não mostram que as pessoas com crenças paranormais estejam erradas’ – eles simplesmente demonstram uma maneira pela qual a experiência pode ser estimulada”). Em suma: o tal Marcelo Ferroni, autor da matéria na Isto É, agiu de total má fé. Porque a viagem astral não se enquadra em sua visão de mundo, em seus “princípios científicos” (aliás, bastante limitados pelo jeito), ele diz que ela não existe, que é balela.

Escreveu Einstein: “O caráter fictício dos princípios é perfeitamente evidenciado pelo fato de ser possível apresentar duas bases essencialmente diferentes, cada uma das quais atingindo em suas conseqüências um alto grau de concordância com a experiência”. Por sua vez, o filósofo do destino — assim ele se autodenominava — Oswald Spengler afirma reiteradamente que cada Civilização teve início numa “visão espiritual” da vida, num conjunto unificado de “esquemas imaginativos” totalmente original. Cada Cultura(povo) encontra sua forma de descrever as mesmas experiências e percepções à sua maneira. (Ele chega a demostrar como a ciência de cada Cultura não é mais que a transposição de suas crenças religiosas para a física.) Não que exista um relativismo absoluto — mil e uma realidades –, mas formas diferentes de expressar a mesma Realidade. Quando uma Cultura está decadente, torna-se uma Civilização, e em seus integrantes ocorre geralmente uma fratura na capacidade cognitiva: o que antes era um “método de conhecer a verdade” passa a ser a própria verdade. Se estudar o cérebro é, para os cientistas, uma forma de se aproximar da verdade, para o jornalista supracitado é a própria resposta: tudo se explica pelas reações eletroquímicas da massa cinzenta! Que o corpo possa ter um espírito já não passa por sua cabeça. Imagine então se alguém, no caso eu, disser: o corpo não possui um espírito, mas é o espírito que possui um corpo. Aliás, vários corpos, um dentro do outro, já que o “corpo astral” não é o espírito, mas um corpo de matéria menos densa. Enquanto essas pessoas ficam por aí, tentando — com uma pseudo visão científica — “desmentir” certas “crenças paranormais”, o chinês Li Hongzhi (membro de outra Cultura) afirma que os cientistas chineses antigos não necessitavam de um acelerador de partículas para, indiretamente, estudar o átomo: eles faziam uma projeção pontual da consciência e mergulhavam dentro da própria matéria. Numa projeção deste tipo, você não tem sequer “corpo astral”, você é apenas um “ponto de percepção” que não ocupa lugar no espaço (corpo mental). Você pode se aproximar de uma xícara como um astronauta se aproxima da Terra, mas sem encontrar limites. Cada vez você a vê de uma maneira totalmente nova, sem encontrar barreiras físicas que impeçam sua aproximação. E, de repente, você se encontra num espaço escuro, silencioso. Onde estou?, pensa. E VUMMM um elétrom passa triscando por você: sim, você está dentro do átomo.

Enquanto mantivermos a pirâmide invertida — a manifestação material no vértice, o espírito ou embaixo ou nulo — não teremos esse grande avanço na ciência. A projeção da consciência deveria ser mais um instrumento científico e não uma vítima de pseudo-cientistas. Até hoje, por exemplo, não se sabe se o “Princípio de Indeterminação” é um problema gnosiológico (não temos instrumentos ideais para verificar a natureza final da matéria) ou ontológico (a matéria é que é estranha mesmo). Porque, claro, se um dedo não pode tocar sua própria ponta, como a matéria tocará a si mesma? Quando se tenta detectar um elétron, precisamos enviar fótons pra cima dele, como quem liga uma lanterna pra enxergar uma bola de tênis. Mas o que fazer quando os fótons são do tamanho do objeto que se quer visualizar? Imagine tentar iluminar uma bola com raios de luz do mesmo tamanho dela. Bastaria jogar a luz em cima para desviá-la de seu caminho. Isto é o Princípio da Indeterminação: se consigo localizar uma partícula, não saberei para onde ela se dirigia anteriormente, e vice-versa, uma vez que minha percepção interfere no processo. Logo, a única forma de observar, de modo neutro, os primórdios da matéria seria de um nível acima dela, seria a partir do “corpo mental”. E, como diz o outro, acredite se quiser…

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